domingo, 19 de julho de 2009

A RESISTÊNCIA FRANCESA

A rejeição ao invasor foi crescentemente reforçada pela repressão do governo de Vichy; de princípio, ela era mais dura do que a da própria Gestapo. A degradação econômica dominante, assumindo formas substantivas em um país até então sem tradição de guerrilha, foi, pois, determinante para repelir a ocupação. Aos poucos, foram surgindo ações de grupos volantes: distribuição de panfletos às pessoas em geral, colagens de cartazes anti-Pétain em edifícios e logradouros públicos, depredação ou pichação de comunicados nazistas afixados, e ainda pequenos atos de sabotagem.
As “Organisations Spéciales” (OS) foram, em 1941, a primeira tentativa de cobrir tais deficiências; primeiramente, visavam à proteção de lideranças em risco e à autodefesa de pequenas manifestações, além de, vez em quando, a execução de traidores da França.
As grandes organizações de guerrilha urbana francesa foram um produto dessa fase de aprendizagem e da aglutinação das diversas forças políticas oponentes a Vichy e ao invasor alemão. Seu propósito era a constituição de um uma força militar, capaz de fazer frente ao exército ocupante. Eram muitas as dificuldades para alcançar o objetivo, mas a maior delas era como fazer, já que estavam no interior de uma cidadela ocupada pelos inimigos e submetidos pela clandestinidade a limitados efetivos. Teriam de coordenar entre si e contar com os recursos dos meios rurais, até então passivos.
Para superar esse obstáculo, o próprio curso da guerra veio em auxílio da Resistência. Necessitando de combatentes para o “front” do Leste, carecendo de braços para sua indústria bélica, os nazistas apertaram o cerco aos povos ocupados. Os homens entre 18 a 45 anos foram recrutados para trabalhos forçados na Alemanha - tratava-se, no caso, do Serviço de Trabalho Obrigatório. Na França, houve rejeição em massa dos jovens: sendo civis, não aceitavam trabalhar, sob bombardeios e sob os riscos inerentes à perigos de guerra, a favor do inimigo de seu país. Com o apoio das organizações populares e patrióticas, a objeção a tal convocação disseminou-se. Os que podiam, procuravam, por conta própria, proteção no campo, onde ficam acoitados.
Foi com eles que as organizações guerrilheiras criaram unidades militares nos mesmos locais de refúgio, dando início a era dos maquis. Literalmente, Maquis refere-se à vegetação espessa da Córsega. Durante a II Guerra Mundial, foi o termo genérico, usado para o movimento clandestino da resistência francesa e seus combatentes.
Quanto à coordenação das forças guerrilheiras dispersas, posteriormente, a própria evolução na luta no interior da França encarregou-se de mostrar caminhos. A guerrilha passou dos círculos limitados de “esquadras”, grupos de combate e reduzidos destacamentos urbanos para o plano de destacamentos, companhias e mesmo batalhões. Renunciou, pois, a si própria, para dar lugar ao novo exército - as Forças Francesas do Interior (FFI).
A Resistência teve, quase desde o começo, um importante suporte: as emissões radiofônicas do Comité France Libre, transmitidas de Londres por jornalistas e artistas que na capital britânica tinham-se unido em torno do General De Gaulle. Em contraponto ao noticiário da imprensa e da rádio francesas, tendencioso e devotado a exaltar a força e as vitórias alemãs, as emissões diárias oriundas da Inglaterra irrompiam na noite da França ocupada como fachos luminosos que prenunciavam a breve liberação.
Em que pese a repressão e a delação incentivada, às 21h, e desafiando as pesadas cortinas do blecaute obrigatório, os franceses debruçavam-se sobre os aparelhos de rádio e punham-se a ouvir a programação anunciada pelos primeiros acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven: “Sol-Sol-Mi bemol. Ici, Londres, Les français parlant a français”. Seguiam-se notícias da guerra e piadas sobre os alemães e seus colaboradores, bem como mensagens incompreensíveis para a maioria dos ouvintes, mas compreendidas pelos destinatários, do tipo: “as andorinhas estão chegando” ou “as batatas estão cozidas”. Para um povo com frio e fome, submetido a longas horas na fila de abastecimento, a emissão de France Libre tornou-se motivo de estímulo e esperança.
Durante todo o dia, as pessoas ficavam com os ouvidos colados ao rádio, conferindo as últimas notícias. Muitas ouviram quando Charles de Gaulle falou para o povo da França: “A suprema batalha começou! Após tantas batalhas, tanta fúria, tanta dor, chegou a hora de confrontação decisiva, por tanto tempo esperada.”
Notadamente ativo e forte, o Front Nacional, de inspiração comunista, abriu-se então aos democratas e patriotas das mais diversas tendências. Teve por braço armado os francos atiradores e guerrilheiros franceses ("Franc-Tireus et Partisans Français"), dotados, por sua vez, de valioso apêndice: os combatentes advindos da imigração, a mão-de-obra imigrada ("Main-d’Oeuvre Immigrée") ou, mais familiarmente, MOI entre os quais figuravam centenas de antigos brigadistas, atuantes na Guerra Civil espanhola.
Como exemplo da participação dos cidadãos, nos primeiros estágios da guerra, muitos vinicultores se opuseram a uma resistência armada que poderia pôr vidas inocentes em perigo. Com o avanço da guerra, contudo, seus sentimentos começaram a mudar e eles acolheram a resistência em centenas de quilômetros de adegas das regiões produtoras de vinhos.
O “Service du Travail Obligatoire” (STO) foi um programa de trabalhos forçados, implantado por Vichy, em 1942, para atender as exigências de mão-de-obra da Alemanha. Fez mais para recrutar membros para a Resistência do que qualquer outra coisa. Os convocados para o STO geralmente preferiam se juntar aos maquis na clandestinidade a trabalhar para o III Reich.
Entrar para a Resistência, em geral, uma atividade de altíssimo risco, podendo os maquisards morrer em ação ou ser aprisionados pelos inimigos, o que, na maior parte das vezes, não faria qualquer diferença no desfecho, pois, como eles não eram militares, ou forças armadas regulares, não possuíam qualquer cobertura da Convenção de Genebra relativa a situações bélicas. O fuzilamento ou outra forma de execução sumária era a medida de praxe em muitos casos, consoante faziam os alemães e seus asseclas colaboracionistas franceses. A tortura, precedendo a aplicação da pena capital, era uma prática comum.
A tortura, antes da aplicação da pena capital, era uma prática comum. Dizia-se: “Nacht und Nebel” ou “noite e neblina” em alemão, mas também o termo que o Terceiro Reich usava para designar prisioneiros que não desejava que sobrevivessem, que se queria eliminar. Eles deveriam desaparecer dentro do sistema, ser enterrados em massa ou em covas não-identificadas, sem nenhuma informação à família. Por outro lado, os franceses apreciavam muito o “Narquer les allemands”, ou seja, debochar ou zombar dos alemães.
MARCELO GURGEL CARLOS DA SILVA é médico e economista; professor titular da UECE e membro da Academia Cearense de Medicina.

* Publicado in: Jornal Diário do Nordeste. Fortaleza, 19 de julho de 2009. Suplemento Cultura. p.1.

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