segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

CASIMIRO MONTENEGRO FILHO: o marechal visionário



Mal. Montenegro: fundador do ITA

Em fevereiro de 2007, o jornalista Fernando Morais, um arguto observador e primoroso retratista de vultos de proeminência da história brasileira do século XX, dando vez ao trabalho edificante que realiza como escritor, esteve em Fortaleza, no Colégio Farias Brito e no Centro Cultural do Banco do Nordeste, para fazer o lançamento da sua obra: “Montenegro: as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil”, cujo subtítulo evidencia o espírito de bandeirante ou pioneiro e o ardor visionário desse valoroso fortalezense, consoante se demonstra a seguir.
Casimiro Montenegro Filho nasceu em Fortaleza em 29/10/1904, sendo o nono filho do Dr. Casimiro Montenegro e de D. Maria Emília de Pio Brasil; seu pai foi político e administrador público, tendo sido intendente de Fortaleza, de 1914 a 1918, cargo que, em sua gestão, passou a ser denominado de prefeito, podendo ser conhecido como o primeiro prefeito da capital cearense.
Depois de concluída a sua formação escolar no Liceu do Ceará, Casimiro Montenegro Filho, em 1923, aos 19 anos de idade, deixa o seu torrão natal, para enfrentar uma longa viagem de navio, com destino ao Rio de Janeiro, onde se matricula na Escola Militar de Realengo, dando início a sua carreira militar.
Aderiu, de pronto, à Revolução de 30, da qual foi um ativo participante, ousando sequestrar um avião, que usou para bombardear tropas legalistas acantonadas em quartéis mineiros, numa operação de extremo risco para ele e seu co-piloto, até porque aquele monomotor Potez não estava completamente montado, nele faltando bússola, altímetro e conta-giros. No ano seguinte, fez um voo, quase às cegas, cuja arriscada missão inaugurou o Serviço Postal Aéreo Militar, que daria origem ao Correio Aéreo Nacional, de grandes serviços prestados ao país, desde então. Em 1932, por sua fidelidade aos ideais revolucionários de Vargas, foi preso pelos constitucionalistas de São Paulo.
Sempre disposto a enfrentar desafios, aos 35 anos, já com a patente de major, inscreveu-se na Escola Técnica do Exército, da qual sairia, em dezembro de 1941, como integrante da primeira turma de engenheiros aeronáuticos formados no Brasil, composta por apenas onze concludentes.
Em janeiro de 1943, Montenegro seguiu, com outros oficiais brasileiros, para os EUA, com a incumbência de trazer para o Brasil um lote de aviões adquirido pelo Ministério da Aeronáutica, tendo ele convencido seus companheiros de viagem a visitar o Wright Field, avançado centro de pesquisa de engenharia, mantido pela força aérea norte-americana, situado em Ohio. Depois dessa visita a esse centro, Montenegro decidiu estender a sua permanência, dirigindo-se a Boston, para conhecer, detidamente, o Massachussets Institute of Technology, o renomado MIT, cumprindo, durante 73 dias, um intenso programa nos variados departamentos e laboratórios que formavam o instituto.
Dessa estada em Boston, resultaria a idéia, aparentemente excêntrica, de se montar, no Brasil, um centro avançado de engenharia aeronáutica, nos moldes do MIT. De volta ao país, tal idéia converte-se quase em uma obsessão, quando Montenegro passou a devotar, obstinadamente, sua total atenção e empenho, para materializar essa instituição. Seu propósito era criar uma escola, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), destinada a formar engenheiros de aviação, com atuação nos campos civil e militar, que integraria uma estrutura maior, o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), concebido este no modelo MIT.
Nos anos seguintes do pós-guerra, Montenegro liderou uma pequena equipe de trabalho, que traçou planos e estratégias para a implantação do novel instituto, tendo a escolha do local, para as futuras instalações, recaída em São José dos Campos, em área de terreno plano e pouco valorizado, posicionado no Vale do Paraíba, região que posteriormente se descobriu que fora a mesma que Santos Dumont – o Pai da Aviação - imaginara como a mais apropriada para se criar uma verdadeira escola de aviação.
Depois de superar os duros entraves burocráticos, foram aprovados, pelo governo, os instrumentos legais e orçamentários que iriam dar amparo à criação do CTA e do ITA, logo esbarrando na licitação, para o início das obras, à conta de o projeto arquitetônico vencedor ter saído das pranchetas do arquiteto Oscar Niemeyer, conhecido militante comunista, pelo que o Presidente Dutra vetara a homologação do resultado licitatório, recusando-se a contratação desse projeto, por razões puramente ideológicas. Essa pendência foi sanada por Montenegro, que negociou com o famoso projetista a mera substituição do nome do assinante do projeto, preservando os arranjos e concepções, já arrojadas e modernas para a época, e talvez prenunciando o que se faria na construção de Brasília.
Para pôr em funcionamento o ITA, o brigadeiro Montenegro recruta cientistas de diferentes nacionalidades, conformando uma “harmônica babel” de línguas no mesmo ambiente, a quem oferece salários diferenciados e moradia no campus, ao lado de equipamentos e infra-estrutura de pesquisa; para atrair os estudantes mais brilhantes, optou por fazer o vestibular descentralizado, com provas aplicadas no mesmo dia e horário em diferentes capitais, e garantiu alojamento e alimentação, aos selecionados, durante o curso, feito em regime de tempo integral, o que suscitara uma concorrência crescente e de alto nível.
Desde o princípio, o primado da autonomia acadêmica e da liberdade criativa, imprimido ao ITA, despertara a intensa oposição castrense, no seio do oficialato da aeronáutica, que não via com bons olhos a feição paisana que imperava no instituto, sob o beneplácito do militar Montenegro; daí tudo ter feito, nem sempre às claras, para torpedear a exitosa empreitada, impondo empecilhos capazes de travar o gerenciamento institucional, tolhendo recursos ou apondo óbices burocráticos.
Para contornar a situação desfavorável e propiciar a sustentabilidade futura do ITA, Montenegro elaborou projeto para transformar o Instituto em uma fundação, com orçamento próprio e liberdade acadêmica, causa que abraçou com incontido empenho, e pela qual trabalhou, arduamente, enfrentando as procelas e as turbulências engendradas por seus colegas de farda, tendo à frente o brigadeiro Eduardo Gomes.
Se a temperatura para o ITA já não era amena, quando havia presidentes civis, no país, a entrada em cena do golpe militar, de 31 de Março, trouxe nuvens negras para a comunidade iteana, começando pelo afastamento do seu fundador e idealizador, seqüenciada pela perseguição implacável de pretensos comunistas e simpatizantes, produzindo a exoneração voluntária de um terço do corpo docente, detentora de alta qualificação, e desligamento de vários estudantes, ao tempo em que se urdia o reenquadramento do ITA, como parte do aparato militar, guardando obediência estrita à hierarquia da vida militar, e sepultando, de vez, a autonomia acadêmica e a liderança lastreada no consentimento dos pares, dantes vigentes.
Depois de anos de esplendorosos serviços prestados à pátria, o brigadeiro Casimiro foi relegado ao ostracismo, por seus rivais e oponentes, que passaram a lhe conferir atribuições comezinhas, sem maiores responsabilidades, imputando humilhações, que o levaram a solicitar a remoção para a reserva, quando então galgou a patente de marechal; por muito pouco, não foi cassado, porquanto seu nome chegou a constar de uma lista de cidadãos, que teriam os direitos políticos cerceados pelo movimento militar de 1964, dela sendo excluído, pouco tempo antes da publicação, por influência de seus amigos e admiradores, que o pouparam, assim, de mais um dissabor.
À essa época, década de 1960, os sinais da progressiva perda da acuidade visual começaram a se acelerar, deixando-o definitivamente cego, impedindo-o de ver, mas não de sentir, o que acontecia no seio do ITA, obra que considerava a mais relevante de sua trajetória de vida, e, certamente, impingindo a ele um tormento deveras atroz, tal como um pai se sente diante de um filho que sofre.
Mesmo na penumbra, fruto da perda da visão, mantém-se ativo, sobrevivendo por mais de três décadas, com a deficiência visual total, para acompanhar os estertores da ditadura militar, com a derrocada daqueles que tanto o magoaram, e assistir a redemocratização do País, bem como “ver”, com olhos dos seus familiares, notadamente os da sua querida Antonietta, e de amigos, a redenção do ITA, que voltou a ser um símbolo para o ensino superior e um exemplo de centro de excelência tecnológica, culminando de glória os dias finais do velho marechal.
O marechal Casimiro Montenegro Filho entregou o seu espírito, voltando ao Pai, aos 95 anos de idade, em 26/02/2000, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, tendo um enterro com honras militares, apesar de não ter sido ministro e nem ter morrido em combate. O caixão, contendo o seu corpo, foi conduzido para o sepultamento por seis alunos do ITA: de um lado, três alunos civis, vestidos de paletó e gravata, e de outro, três militares em traje de gala; segundo Fernando Morais, citando o brigadeiro Tércio Pacitti, essa “foi a última mensagem que Montenegro deixou: civis e militares, juntos, lado a lado”.
Prof. Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Academia Cearense de Medicina e
da Academia Brasileira de Médicos Escritores
* Publicado In: Ceará em Brasília, 23 (244): 6, outubro de 2012. (Jornal da Casa do Ceará em Brasília).

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