sábado, 21 de dezembro de 2013

DEVEDORES NATALINOS



Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
No Natal você não sabe o quanto vai se endividar. Em nome do amor, do afeto, se gasta o que não se deve e pior tomamos consciência de sermos devedores das pessoas do nosso circuito afetivo.
Quando exercia a Pediatria, observava que o ato de oferecer alimentos em demasia e consequente obesidade infantil era, não poucas vezes sinal, de rejeição paterna/materna.
Procura-se assim no exagero de oferta de alimento, guloseimas, etc. uma maneira de manifestar, de esconder o sentimento de rejeição aos filhos. Criar e educar crianças são trabalhos de tempo integral. Requer uma dedicação constante e por que não dizer— total. Cansativo.
O fato é que criança rejeitada, mesmo inconscientemente, torna-se com a proximidade das festas natalinas, vítima de ser intoxicada por ser super presenteada para compensar os dias de desamparo. Os pais ocupados por outros encargos da sociedade de consumo terceirizam a educação/ensino e o pior, confundem educação com ensino, como se pagar um bom colégio, seria uma maneira de encobrir a falta do seu papel parental.
Confundem ensinar com educar. Educar é ofertar afeto, amor, segurança, valores éticos ou morais.  Não se aprendem nas escolas e sim no Lar. Pais “terceirizantes” esquecem que a família não é pessoa jurídica. Esquecem que ter filhos não é gerenciar ou ser executivo de uma empresa.
A propaganda da época natalina consegue juntar toda essa frustração em um novelo sem ponta ou princípio e enrolando-se na cadeia afetiva do desejo biológico de perpetuar a espécie, que termina na fragilização pela culpa na compra exagerada de presentes e atenções que se agudizam mais na época natalina.
Procuram em um dia, empanturrá-las com brinquedos, quitutes, carros, bonecas e outros brinquedos tão perfeitos que não dão nem oportunidade de desenvolver a criatividade na criança. Abraço, beijos, árvore de luzes para saldar as dívidas afetivas contraídas durante o ano que vai passando não funcionam.
O “Homo economicus" tem com o lema— consumam, consumam, consumam — e mesmo assim não conseguem saldar as dívidas contraídas com os filhos. Assim nos ensinaram desde quando éramos crianças. Será que esquecemos que a educação infantil principia com a educação dos pais? Sem adultos saudáveis, presentes e atuantes o que podemos esperar dos futuros adultos?
Em síntese sem esses cuidados não é de não surpreender com as notícias de que estão a surgir, sobretudo a partir da década de 90, crianças diferenciadas, mais talentosas, mais sensíveis, que naturalmente rejeitam concorrência, conflito e separação, mas surge a pergunta: Será isso sadio para a espécie humana? Não saberia responder.
Mas, ninguém poderá negar o aumento de crianças diagnosticadas com déficit de atenção e hiperatividade. Há também um grande número de crianças e adolescentes com diagnóstico de Perturbação Bipolar (Depressão), aumento das taxas de suicídio e com a nova epidemia de obesidade. Sem mencionar a violência e a toxicomania. Ao receberem esses diagnósticos de disfunções psíquicas começam a tomar remédios. Infelizmente, não existem estudos sobre os resultados da utilização de medicamentos neurológicos e psiquiátricos que começam a ser ministrados a partir de uma idade precoce. Mas há indícios que estes medicamentos interferem nas funções cerebrais e predispõe às enfermidades mentais, da mesma forma que acontece na idade adulta.
Infelizmente o Natal já foi festa, já foi, um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento, afirma com razão Nelson Rodrigues.
Costumo perguntar: Não seria melhor que todos os dias fossem Dia de Natal? Dizem que papai Noel é um velho muito gordo e mora sintomaticamente nos Shopping Center.
Lembre-se de uma coisa: criança não se engana com besteira que o dinheiro pode comprar. E que quando uma criança não acredita mais no Velho de barba branca e seu trenó, desaparece uma estrela no céu.
Cuidado senhores responsáveis! Não existe algo mais sublime e misterioso que a criança. Desconheço uma criança sem uma mãe, não importa se biológica ou adotada. O precursor do espelho é uma mãe. Não há presente por mais caro que seja que possa substituir pais suficientemente bons. Não precisam ser excepcionais. Bastam ser bom o suficiente para seu filho ou filha. O que sei é que criança não tolera hipocrisia.
Como dizia Joaquim Nabuco (1849-1910): É aos nossos filhos que pagamos nossas dívidas para com o nosso País.
Ou vale, cada vez mais, o poema de Carlos Drummond de Andrade:
Menino ou menina:
Peço-te a graça de não saber mais poema de Natal....
Um, dois, três... Inda passa...
Industrializar o tema, eis o Mal.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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