segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

LÍNGUA MORTA



Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
Costumo recorrer nos meus artigos de jornal, a citações frequentes, não apenas como adorno do texto, mas como seu apoio. A citação nada mais é, por vezes, do que um pensamento coincidente, indicativo de que outro escritor, antes de nós, pensou o que também pensamos, e lhe deu forma, com a vantagem da precedência. Estas duas frases foram escritas pelo grande romancista maranhense Josué Montello (1917-2006), no Jornal Brasil de 21/4/1981. Dele são os magistrais romances “Tambores de São Luis”, e “Degraus do Paraíso”, ambos (como quase todos seus) ambientados naquela cidade.
Outro dia, leitor indagado se teria lido meu artigo mais recente, respondeu sim, contudo deplorando o número de citações. Tal estranhamento é comum entre os “opsímatas”. Êpa! O termo deriva do grego “opse” = tardio, e “mathe” aprendizado. Embora ausente dos léxicos brasileiros mais conhecidos, já constava da 11ª edição do “Dicionário de Língua Portuguesa”, de Cândido de Figueiredo (Editoras Bertrand & Jackson, Inc, Lisboa, 1949). Denomina os que chegaram tarde à literatura, não às primeiras letras. Curiosamente Ralph Waldo Emerson, famoso poeta, ensaísta e filosofo norte-americano (1803-1882) afirmou ter ódio às citações. Não obstante declarou que por necessidade, tendência, ou prazer, todos nós citamos.
Alguns autores não citam para afetar erudição, como se o que escreveram fosse originalmente deles; outros citam em demasia, para afetá-la ainda mais. Há muito tempo lendo poemas de Augusto Frederico Schmidt (Rio de Janeiro, 1906-1965) deparei a frase “viver é mais fácil do que o sânscrito, a química, ou a economia política”. Trata-se aqui de uma tradução servil pois literal (“ipsis litteris”) de “Aldous Huxley” , em “Point Counter Point”. Eis um exemplo de apropriação indébita, pirataria literária.
O brasileiro – talvez sub-estimando o conhecimento do leitor - plagiou o inglês, este em livro bem anterior ao seu. Seria um mimetismo (imitação) inconsciente? Temos que as citações excitam a mente, criando curiosidades quanto ao autor e/ou ao tema. Assim, aumentam o patrimônio intelectual do leitor. Neste sentido Winston (Leonard Spencer) Churchill (1874-1965), também Prêmio Nobel de Literatura (1953) aconselhava às pessoas menos letradas lerem livros de citações (“My Early Life”). Contudo, estas devem ser feitas apenas quanto basta. No Brasil, celebrado críitico literário carioca, Guilherme Merquior (1941-1991) (22 títulos), já reconhecido aos 18 anos, citava exageradamente, e às vezes não conseguimos identificar o que é seu ou dos escritores referendados.
Aliás afirma-se, por ironia que roubar palavras de outrem é plágio, mas quando de inúmeros outros é pesquisa! Os latinismos, embora não nos apercebamos, são sempre eloquentes nas citações, e úteis, nos ensinando como falar corretamente. Diz-se “procrastinação” (adiamento), com “r”, porque “cras” significa “amanhã” em latim. Não é obrigado sabermos latim, mas deplorável tê-lo esquecido por completo. Por alguns reconhecidas como línguas mortas, o grego e o latim perpetuaram-se, ecoando em outros idiomas como português, espanhol, italiano, francês, romeno. Língua morta, propriamente dita, nem a do Onassis!
(*) Médico, ex presidente e atual secretário geral da Academia Cearense de Letras.
Fonte: O Povo, Opinião, de 5/2/2014. p.4.

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