sexta-feira, 28 de março de 2014

E O LIVRO, EM SI?



Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
O homem começou a escrever em rolos de peles de animais, ou papiros (papel pergaminho, vegetal, da planta “Cyperus papyrus”, às margens do Nilo, famosa já há 40 anos a.C.). Para serem lidos, estes rolos (ou “volumina”) precisavam ser desenrolados, ao contrário dos que viriam 4.300 anos após, códices, livros com páginas para folhear.  Nesses, a escrita já era feita com tipos móveis, criados pelos chineses. Em torno de 1140 um jovem gravador, inspirando-se nas impressões deixadas na estrada pela mula que cavalgava, criou a imprensa, e a seguir todos os seus acessórios vigentes até o século XX. Chamava-se Johanes Gensfleish zur Laden zum Gutenberg, alemão de Mainz.
Atualmente, o propalado fim do livro tradicional lembra aquela “crônica de uma morte anunciada” (1961), título de romance de Gabriel José Garcia Márquez (1917), colombiano de Aracataca. Foi figura central do chamado “realismo mágico” latino americano, e logrou o prêmio Nobel de Literatura em 1982. Há 15 anos as novas tecnologias inauguraram o “Kindle”, livro digital eletrônico, o “e-book”. Seria o óbito do livro em papel, e das livrarias. Segundo o cientista Ferris Jobr na revista “Scientic American” de dezembro último, nossos circuitos cerebrais não estão adaptados à leitura de textos eletrônicos, pois exigem maior e cansativa concentração do leitor. O próprio Bill Gates, criador da Microsoft confessou preferir ler matéria impressa às telas do computador, dos ”laptops” e “tablets”, máxime quando além de cinco páginas.
Em 2003, na Universidade Nacional Autônoma do México, 80% de 687 alunos preferiram estudar em livros tradicionais. Fui assistente do professor Newton Theófilo Gonçalves, no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Aliás, tive a honra de sê-lo. Sobre ter sido notório cirurgião, doutor Newton era um verdadeiro “scholar”, pessoa erudita (do grego pelo latim “schola” = escola). Homem lido e corrido, versado em línguas, bibliófilo, e também do grupo dos “bibliobibuli” (!), isto é, incansáveis, insaciáveis leitores.
Emprestando-lhe, eventualmente um livro, recebia-o de volta enriquecido por relevantes anotações suas, à lápis, nas margens e nos rodapés. Era assim quase um outro livro. Tal é impossível nos e-livros, que também ignoram os aspectos organolépticos (que atuam sobre os sentidos), sensoriais da leitura em livros de papel. Só neste, podemos aspirar o perfume da mulher amada, entre as páginas, ou recordá-la nas pétalas de rosa ali adormecidas. “Hélas”! Hoje nos EUA, eles representam 20%.
Ainda bem que em 2017, de cada 10 livros vendidos, apenas 2 serão eletrônicos. Assim, como a TV não matou o cinema, o livro não deve morrer. “Demorar-se neste assunto seria aborrecer os leitores. A primeira condição de quem escreve é não aborrecer”, como está no volume II, 10 de outubro, 1864 das “Crônicas” de Machado de Assis.
 (*) Médico, ex presidente e atual secretário geral da Academia Cearense de Letras.
Fonte: O Povo, Opinião, de 5/3/2014. p.5.

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