segunda-feira, 3 de março de 2014

O FREVO (País em Desenvolvimento)



Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Alceu Valença, em entrevista concedida ao jornalista José Teles, publicada em 06.02.14 (Jornal do Comercio de PE) sob o título ‘Nunca Fui um Tradicionalista’, trata do lançamento do seu disco Amigo da Arte (Deckdisc), dedicado a seu parceiro Carlos Fernando, falecido ano passado, autor do projeto. Todos os pernambucanos, mesmo aqueles que não gostam de brincar o Carnaval “multicultural” das ladeiras de Olinda aos Alagados e Mocambos do Recife, quando toca um frevo arrepiam-se, mormente quando fora do Pernambuco. O Frevo é a nossa música e nosso ritmo. Isso não discuto. E com razão, inicia a matéria o jornalista:
Pernambuco é o estado com a maior diversidade de gêneros de todo o Brasil. A ideia deste disco é ilustrar em parte esta diversidade, com enfoque nos gêneros do carnaval, ou seja, da zona da mata e do litoral. Alceu afirma: “Fiquei tomado por estes estilos quando cheguei “em” Recife, ainda menino, e vi desfilar os primeiros blocos de frevo à minha frente. Eu morava na Rua dos Palmares, que costumo chamar de ‘rua carnavalódroma’, porque além de ali passarem os blocos do carnaval, éramos vizinhos do maestro Nelson Ferreira”. No decorrer da entrevista foi perguntado pelo entrevistador:
— Você tem uma afinidade grande com Portugal, com a música tradicional portuguesa. Mas tem os holandeses. Se Pernambuco tivesse se tornado holandês, teríamos essa exuberância de ritmos que temos?
Responde Alceu Valença:
— Os holandeses tiveram uma influência notável na pintura. Mas os africanos e os árabes são muito decisivos na nossa cultura brasileira... Por exemplo, ‘Rosas Não Falam’ de Cartola ao ‘Sabiá’ de Luiz Gonzaga. E termina: — Me considero um dos maiores incentivadores do intercâmbio musical entre Brasil e Portugal...
O Frevo, surgido na cidade do Recife no fim do século XIX, caracteriza-se pelo ritmo extremamente acelerado. O fado nasceu também no século XIX, justo nos bairros de Alfama e Mouraria de Lisboa, onde árabes e judeus era confinados durante o reinado dos reis católicos. Esclareço: Mouraria e Judiaria dá na mesma.
O número de habitantes judeus em Portugal, no início do Século XVI, alcançava por volta de um milhão e desses 10% eram judeus sefaraditas.
Depois de instalada a Inquisição Portuguesa, os que não foram queimados vivos fugiram ou se transformaram em cristão-novos e muitos fugiram para o Recife, sobretudo no tempo dos holandeses, sem falar nos oficiais e tripulantes da armada de Cabral que fizeram parte do discutível achamento do Brasil.
Quem passar hoje por uma sinagoga no Recife, em dia de serviço religioso, escutará a sonoridade melancólica do fado nessas rezas hebreias.
Concordo com o entrevistado quando diz... “Pernambuco por sua configuração é multicultural”. O frevo-canção espelha a nostalgia ibérica, vinda dos povos árabes e judeus (ambos semitas, convém não esquecer!). Assim como a cultura agreste-sertaneja de Pernambuco foi a do couro, como afirma o entrevistado, não se deve esquecer que boa maioria dos judeus marranos (convertidos à força, ou porcos), cristão-novos, judeus batizados na fé católica, mas praticantes do judaismo às escondidas (criptojudeus), etc., deixaram o litoral e se embrenharam no sertão, para fugir dos longos braços da Inquisição, que assim mesmo conseguia alcançá-los.
Não discuto a importância do entrevistado como estudioso e intérprete da cultura pernambucana.  Tenho-o como um dos maiores cultores da difusão do frevo e da nossa música, mas devemos procurar as nossas verdadeiras raízes se desejarmos sair do eufemístico país em desenvolvimento.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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