segunda-feira, 17 de março de 2014

PROPOSTA INDECENTE



Epitácio Macário (*)
"A proposta do senhor Cid Gomes teria impactos dramáticos sobre toda a universidade, com prejuízos inauditos"
O seminário “O papel da Uece no desenvolvimento do Estado do Ceará”, realizado no Centro de Eventos nos dias 17 e 18 de fevereiro, foi parte do acordo para suspensão da greve dos três segmentos das três universidades estaduais cearenses que se desenrolou no período de novembro de 2013 a janeiro de 2014. Como acordado, o governador do Estado, Cid Ferreira Gomes, participou de três das cinco mesas temáticas do referido seminário.
Afora a particular maneira de desdenhar dos esforços de professores, servidores administrativos, estudantes e gestores da Uece, o governador expressou uma visão acerca da universidade que pode ser caracterizada a partir de sua proposta sobre a repartição do tempo dedicado, pelos docentes, ao ensino, à pesquisa, à extensão e à gestão.
Cid Gomes propôs um cálculo linear: 60% de horas para o ensino e os restantes 40% para pesquisa, extensão e gestão. As atividades de ensino seriam divididas assim: 2 horas para aula e 1 hora para planejamento. Nesses termos, um professor com regime de trabalho de 40 horas semanais teria a seguinte distribuição de seu tempo: 16 horas em aula (4 disciplinas de 4 créditos) mais 8 horas de planejamento e as demais 16 horas poderiam ser dedicadas à pesquisa, à extensão e à gestão.
Se implementada, a proposta terá três impactos imediatos: intensificação do trabalho docente pela redução do tempo de preparação de aulas; drástica retração das atividades de pesquisa, extensão e gestão a cargo de docentes; e, óbvio, diminuição da demanda de concurso para professor nas universidades estaduais.
Em perspectiva, todavia, a proposta do senhor Cid Gomes teria impactos dramáticos sobre toda a universidade, com prejuízos inauditos para os ainda frágeis pilares da produção de novos conhecimentos (por meio da pesquisa) e da interação com a comunidade nas atividades extensionistas. Ademais, conjugar o aumento do tempo de ensino com a diminuição de 50% do tempo de preparo de materiais pedagógicos, planejamento de aulas e correção de avaliações só pode resultar em prejuízo na qualidade do próprio ensino. É a velha regra taylorista em operação: a racionalização de tempo em detrimento da qualidade.
A vontade do governante, nesse aspecto, contrasta com sólidos procedimentos sedimentados na cultura acadêmica brasileira, inclusive nas melhores universidades privadas. E, ademais, confronta o princípio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão cravado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Que não se busque o telos de tal proposição em concepções profundas de universidade, pois disso Cid Gomes nada sabe. O brilho ofuscante da ideia irradia das planilhas eletrônicas, bisnetas dos velhos e empoeirados livros contábeis, com finalidade cristalina: resolver a escandalosa carência de professores sem realizar concurso. Que não se cumpra o dito! Que as estaduais sobrevivam!
(*) Professor de Economia Política na Uece
Fonte: O Povo, Opinião, de 17/3/14. p.9.

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