quarta-feira, 2 de abril de 2014

O Domingão do Faustão e a Psicopatologia



Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Discurso de psicóloga no "Domingão do Faustão" deixa mães de autistas e especialistas indignados, é o que estampa a primeira folha do meu provedor UOL no dia 20.12.12. Como professor de pediatria e hebiatra (médico de adolescentes, jovens) há quase 55 anos e atualmente praticando psicoterapia, fiquei tremendamente revoltado, triste e desesperançado com a entrevista e o programa escolhido para esclarecimentos das diversas síndromes de sofrimento mental que podem ocorrer no ser humano e sua influência no crime coletivo cometido na escola primária Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, nos Estados Unidos.
E surgiram absurdas explicações do porquê da tragédia ocorrida na pequena cidade norte americana. Como simples ser humano, fico de luto pelo trágico acontecimento, mas as coisas podem sempre piorar. Certamente o bom jornalismo saberia como, onde e quando abrir uma discussão sobre assunto de tamanha importância. Critico a mídia, qualquer que seja ela, quando convida “especialista” que, salvo as clássicas exceções à regra, estão geralmente correndo em busca dos seus 15 minutos de glória, sem se importar com a higiene mental e social do povo que pagou seus estudos.
Quanto mais importante for uma emissora, ou coisa que o valha, deveria ter muito mais cuidado ao divulgar temas controversos, principalmente num país onde a novela passou a ser o maior difusor de conhecimento, através de uma dramaturgia distorcida, disforme (repito, salvo raras ressalvas).
Onde estão os Conselhos de Medicina, Psicologia para se manifestarem sobre esse mau jornalismo? E o pior, são esses pobres peritos profissionais (fora alguns casos isolados) que não perdem uma oportunidade de comparecer a esses programas, debates midiáticos...
Quando teremos os fatos mais bem estudados e mais bem anunciados? Os Psiquiatras falam de síndrome de Asperguer, Psicopatias, Autismo, e entram por aí em uma discussão sem fim, pois nem sabem o que é.
A Medicina é a ciência das verdades transitórias. E toca a surgirem programas e artigos no éter sobre autistas, psicopatas e assassinatos em massa. Bastaria fazer uma pergunta à nossa massa semianalfabeta para constatar qual o gênero de filme preferido e típico do americano do norte: o faroeste, com a presença do indefectível caubói.
Aí está a origem – remota, mas básica – da tragédia ocorrida na pequena cidade dos USA. Apesar de em nossa história termos também colonos europeus matando índios, assim como a escravidão negra, o - desculpem o termo difícil — psicossocial brasileiro é bem diferente daquele dos americanos do norte. As nossas armas não são vendidas em lojas de departamentos e sim contrabandeadas do Paraguai.
Para que entrar no terreno movediço da psicopatologia? Será uma tentativa de intelectualizar a miséria na qual vive a maioria de nosso povo ou um desejo incontrolável de aparecer na mídia?
O meu temor é que a cultura do narcisismo, do consumo e da violência tenha contaminado nossos psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiras e outros profissionais assemelhados... É apenas uma advertência de um velho médico.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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