quinta-feira, 17 de julho de 2014

CESTA BÁSICA E FOME ANCESTRAL



Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta

A epidemia da obesidade tornou-se preocupante por volta de 1980 e a tendência é de aumento.
Apesar de todas as evidências, foi somente a partir de 1997 que a Organização Mundial de Saúde começou a propalar ser a obesidade um dos maiores problemas da saúde coletiva da nossa sociedade.
Antigos que trazem diagnósticos de situação demonstram terem as populações asiáticas e latino-americanas maior inclinação para o aparecimento da obesidade e, com ela, a propensão para desenvolver a diabetes melitus tipo 2, a hipertensão arterial e coronariopatias, doenças que se julgava serem de maior ocorrência nas populações mas bem aquinhoadas.

Evidências históricas demonstram que no índio, a resistência à insulina, desde o nascimento, está ligada à ocorrência de baixo peso ao nascer e a uma maior percentagem de gordura corporal e deficiência seletiva das vitaminas do complexo B, ajuntada às anomalias metabólicas no desdobramento do carbono que afetam 75% dos índios, comedores de milho.
Sabemos (desde o tempo de Cortez e os "conquistadores") que povos que têm sua base alimentar na cultura do milho produzem indivíduos de baixa estatura, débeis e de grande fecundidade.

O mesmo ocorre entre nós da civilização do açúcar, principalmente no Nordeste, onde a falta de proteínas e a alimentação hipercalórica (para compensar o déficit proteico) obrigam à ingestão de alimentos com alto teor de açúcar. Fatores estes que contribuem para fazer surgir mecanismos adaptativos biológicos que limitam o peso ao nascimento e aumentam a propensão dos adultos a desenvolver obesidade, não sendo raro que, após perderem peso, essas pessoas têm maior tendência a voltar ao sobrepeso anterior.
E, assim, em parte, são responsáveis pela contínua epidemia generalizada de engordar e emagrecer, o popularmente denominado efeito sanfona, tão comum nos pacientes de dietas esdrúxulas, sem acompanhamento especializado.

O fardo da doença induzida por "dieta inadequada" ajuntada a condições de viver no limite da linha da miséria é fator agravante para o aparecimento da obesidade epidêmica.
"Porém, para entendermos essas diferenças entre populações desenvolvidas e subdesenvolvidas teremos que lançar mão da Epigenética, termo que se refere a um conjunto de fatores que atuam em conjunto com a sequência do DNA formador do gene".

De acordo com este antigo ramo da genética e que agora retorna com grande força, as alterações epigenética (ambientais) geram consequências danosas específicas para uma célula, um tecido, uma patologia, um indivíduo ou toda uma população.
Na verdade a epigenética institui “um novo paradigma, onde a unidade hereditária não seria apenas a sequência de DNA do gene, mas em associação com modificações da cromatina (estrutura formada pelo DNA e proteínas que compõe os cromossomos) que empacota o gene”.

Os mecanismos não estão de todo esclarecidos, mas já foi comprovado que os efeitos de alguns hábitos de indivíduos durante a vida - não os hábitos em si - podem ser transmitidos aos seus descendentes.
Assim a composição corporal do indivíduo no útero e na infância, tanto em termos de formação de tecido gordo/magro, dimensão dos órgãos, vias metabólicas e outras causas (não exclusivamente alimentares) tornam urgente o estudo do combate à obesidade dos que nasceram com fome ancestral. Isto exige iniciativa e mudança política profunda.

A nossa desnutrição vem do nosso Antepassado Histórico e não há de ser por meio de medidas paliativas que iremos vencê-la. Trocamos a fome magra pela fome gorda.
O leitor já procurou saber o conteúdo das nossas cestas básicas?

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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