sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O PAIOL DO OPORTUNISMO


Por Ricardo Alcântara (*)
Em política, nada acontece por acaso. Por duas vezes em menos de uma semana, o governador Cid Gomes aproveitou a presença de jornalistas na cobertura da campanha eleitoral de sua coligação para atacar a candidatura de Marina Silva.

Precisando ainda melhorar a aprovação de seu candidato, que ainda não lidera o páreo estadual, ele o submeteu ao risco de ter ampliada sua rejeição entre os eleitores que se inclinam por Marina, mas não fizeram escolhas locais definitivas.
Claro, o governador fez seu cálculo. Sabe que Marina Silva confirma sua condição de disputa e se sente, até por razões de lealdade, no dever de socorrer sua candidata Dilma Rousseff em um momento mais difícil. Planta para colher mais adiante.
O eleitor do Nordeste, economicamente mais vulnerável, sempre foi mais receptivo a candidaturas governistas, já que as políticas sociais atuam mais decisivamente sobre sua qualidade de vida. Governo que perde aqui não ganha em parte alguma!
A pergunta certa é: atrapalha mesmo a vida de Marina Silva ser publicamente criticada por um profissional da política como Cid Gomes, engenheiro que nunca levantou uma parede e sempre viveu encrustado nos rochedos dos cargos públicos?
Pode se dar o efeito contrário: a crítica dos “mesmos de sempre” – como os classifica o cidadão comum – consolidar ainda mais o perfil outsider de Marina Silva, se prestando como  um certificado de autenticidade para a candidatura dela.
Incomoda ao governador a mensagem de Marina porque é o modelo oportunista de fazer política praticado por ele o que dá pertinência ao discurso dela. Reside na esperança de reduzir o espaço de manobra deles a opção do eleitor por ela.
Cid tem berço. Sua família está consorciada ao poder desde a década de 70, ainda no período militar, e de lá nunca mais saiu: apoiou, formalmente ou não, todos os presidentes do período democrático: Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula. E Dilma.
No plano local, o governador frequenta o condomínio governista desde 1986, com a vitória de Tasso Jereissati. São quase três décadas sem conhecer as agruras de navegar pelos mares da política apenas com a ajuda dos ventos. É um vida mansa.
Esse passivo não lhe garante credibilidade para acusar de “reacionária” e “conservadora” alguém que, enquanto ele crescia às escoras do poder, lutava na floresta e na cidade contra interesses poderosos, com riscos de vida numa terra sem lei.
A declaração poderia ser contabilizada uma vez mais na rubrica dos chiliques habituais. Mas ele foi além. Fez apostas sobre o período máximo em que Marina conseguiria se manter no palácio até o dia de sua deposição: “No máximo, dois anos.”
O recurso rasteiro de disseminar o pânico não é novo. Já fora aplicado em outros momentos de mudanças pelas forças reacionárias contra Getúlio, Jango e Tancredo. De Lula, também disse seu irmão, Ciro Gomes, que “ele não tem condições de governar o país”.
Disse, sim: no transcurso do primeiro turno da disputa presidencial de 2002. Como, logo depois, ele apareceu nomeado ministro do “analfabeto” é fato que Ciro Gomes nunca se deu, como nunca se dá, ao trabalho de explicar em termos claros.
É compreensível a ansiedade do governador: agora, é tudo ou nada. A ordem é conter o estouro da boiada a qualquer custo. A verdade que aguarde pelo fim das eleições, onde, para os profissionais acostumados com esse vale tudo, feio é perder.
Como disse há poucos dias o ex-presidente Lula, estamos indo na direção “de um longo segundo turno”. Para quem ocupa o poder, há muito mais em jogo do que diferenças conceituais sobre estratégias macroeconômicas ou casamento gay.
Situações de risco revelam a natureza oculta das pessoas. Ao espalhar o pânico, a brutalidade apenas estalou os dedos. Se a ameaça Marina persistir, há outros artefatos no paiol do oportunismo só aguardando o momento oportuno para detonar. Alguém duvida?
(*) Jornalista e escritor. Publicado In: Pauta Livre.
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