sexta-feira, 3 de outubro de 2014

ADEUS AO TREMA – Veríssimo


A reforma ortográfica acabou com o trema, e só agora me dei conta de que nunca o tinha usado. Sempre o ignorei. Os revisores, se quisessem, que acrescentassem os tremas onde cabiam. Por vontade própria, nunca botei olhos de cobra em cima de nenhum "u". E agora que o trema desapareceu oficialmente, fiquei com remorso. Como me penitenciar? Peço só mais uma oportunidade para compensar meu descaso com o trema usando-o num texto. Li que, com a reforma, o trema só continua a ser usado legitimamente em nomes estrangeiro como Müller e Anaïs. Uma história para Müller e Anaïs, portando. Atenção, revisor: mantenha todos os tremas. 

Uma história com seqüência e conseqüência.
Talvez uma história policial: a dupla Müller e Anaïs atrás de delinqüentes.
Ou uma história de excessos eqüestres levando ao uso freqüente de ungüentos.
Ou uma simples cena doméstica. Müller eAnaïs na cozinha do seu apartamento, eqüidistantes de um pingüim em cima da geladeira. Müller acaba de chegar da rua com um pacote.

- Anaïs, esse pingüim...
- Quequitem?
- Eu não agüento esse pingüim, Anaïs.
- Ele está aí há cinqüenta anos e só agora você nota?
- Cinqüenta anos, Anaïs?
- Está bem, cinco. Um qüinqüênio.
- Um qüinqüênio?
- Um qüinqüênio. E vai ficar aí outro qüinqüênio.
- Não se usa mais pingüim em geladeira, Anaïs. É uma coisa do passado. Como o trema.
- Pois eu gosto e está acabado. O que você trouxe nesse pacote?
- O que mais poderia ser? Lingüiças. As últimas com trema que tinham no super. 

Pronto. Acho que estou redimido. Adeus, trema. E desculpe qualquer coisa." –
(texto de Luis Fernando Veríssimo no Estado de São Paulo de 31/03/2013).

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