terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A PALESTINA DO SÉCULO I

Por Marcelo Gurgel Carlos da Silva

O livro Palestina del siglo primero y el actor socio-religioso Jesús, de autoria do teólogo e sociólogo belga François Houtart, trata-se de um ensaio sociológico sobre a Palestina, focando o primeiro século do cristianismo, ao tempo da passagem terrena de Jesus, publicado em Quito-Equador, em 2014, pela 13 Ediciones, sob os auspícios da Fundación Pueblo Indio e do Instituto de Altos Estudios Nacionales.
A obra comporta as seguintes partes, ainda que não itenizadas: 1. A sociedade palestina; 2. O sistema político; 3. Estrutura de classes, poder político e correntes ideológicas; 4. O sistema ideológico e as funções sociais da religião; e 5. O ator sócio-religioso Jesus. Esses compartimentos estão devidamente concatenados, conduzindo ao desfecho na questão do papel do Filho de Deus, como resposta ao messianismo judaico.
De princípio, de acordo com François Houtart a Palestina do século I era uma região ocupada pelos romanos e, por conseguinte, estava submissa a uma relação de modo de produção escravagista e tributária, no sentido de que um poder central vive do tributo pago por comunidades, povoados e cidades.
Nessa época, a Palestina estava dividida em duas regiões bem distintas: a Judeia e a Galileia. Primeiro estava a Judeia, território situado ao redor de Jerusalém e de seu templo, região montanhosa e caracterizada, economicamente, por uma estrutura de produção tributária. As terras, em sua maioria, eram áridas e secas. Nelas se cultivavam oliveiras e frutas, a criação de rebanhos – cordeiros e cabras – estava bastante desenvolvida. Também havia numerosos bosques.
A Galileia era cortada por duas grandes vias comerciais: uma ia de Damasco ao mar e a outra de Damasco a Jerusalém. Era uma região muito fértil, caracterizada por latifúndios, nos quais se cultivava o trigo e se dispunham também de grandes rebanhos. Os pescadores lançavam suas redes ao largo das costa e dos lagos. A Galileia também foi o berço de numerosas revoltas camponesas, particularmente as dos zelotas.
Duas grandes atividades constituíam a base da economia judia: a agricultura e a criação de animais, categorias com nível técnico mínimo, estruturadas em comunidades que viviam em pequenos povoados ou vilas. A atividade artesanal, diferentemente, crescia e se desenvolvia nas cidades, sendo os judeus tidos por hábeis e aplicados artesãos. O terceiro setor fundamental da atividade econômica era o comércio, que tinha por foco de desenvolvimento as cidades e por propulsor o setor dos latifundiários.
O Estado era um grande empregador, como condutor das grandes obras: reconstrução do Templo, edificação de palácios, monumentos, aquedutos, muralhas etc. O Templo de Jerusalém formava uma unidade com o Estado, revelando toda a sua pujança econômica, com 18.000 funcionários, abrigando um contingente populacional da ordem de 50.000 a 60.000, em uma cidade que possuía cerca de 600.000 almas.
Israel era uma sociedade dependente e o seu sistema de classes sociais era bastante complexo, com distintos interesses e graus de integração com a dominação romana. As classes altas estavam bem integradas ao comércio internacional dirigido por Roma, ao passo que os pequenos agricultores, artesãos e comerciantes estavam empobrecidos pelo sistema tributário.
O sistema político guardava a distinção entre centros urbanos e centros rurais e a dualidade entre colônia e império. Nas comunidades rurais, o chefe da família era o representante varão, o maior da linhagem, à imagem da estrutura das antigas sociedades clãnicas. Nos centros urbanos, o poder político estava nas mãos de uma pequena burguesia que começava a minar o poder da oligarquia tradicional. Em Jerusalém, o Sinédrio, como um grande Conselho judaico, estava formado por setenta e um membros, que representavam os sacerdotes principais, os escribas e os anciãos. A monarquia conformava um terceiro componente do Estado judeu, por meio de uma marionete, absolutamente dependente de Roma, que exercia sua dominação interna com uma repressão tanto política como econômica.
Como atores sociais, a sociedade de Israel, no tempo de Jesus, deparava-se com várias correntes ideológicas, distribuídas em: saduceus, fariseus, escribas, essênios, zelotes e herodianos, que, em suas relações e contradições, estruturavam o campo das forças religiosas e políticas, e expressavam a diversidade das classes sociais da época.
Jesus de Nazaré opôs-se à aristocracia sacerdotal e laica, e, igualmente, ao baixo clero e aos escribas e aos fariseus. Sua produção ideológica não foi no Templo nem nas sinagogas, mas nos caminhos da Palestina, tendo Ele passado a maior parte da vida de pregador ambulante na fértil e contraditória Galileia.
Em suma, segundo Houtart, o movimento cristão, em seu nascedouro, seria de um ponto de vista sociológico, uma expressão, ao nível simbólico, da situação de opressão dos grupos sociais marginalizados da Palestina, compostos por estratos do proletariado urbano e rural e por uma parte das classes intermediárias. A oposição à opressão e às injustiças era o signo fundador de um projeto, por sua vez, histórico e pós-histórico,, e que se situava em alusão a um Deus de amor, inspirador da utopia e Pai de uma humanidade reconciliada.
Para concluir, François Houtart proclama, para os dias atuais: “É por isso, que, em tempos de uma crise mundial que afeta a centenas de milhões de seres humanos, sua mensagem segue vigente e vale a pena ser seguida”.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva é médico católico e membro da Sociedade Médica São Lucas.
Fonte: O Povo, de 2/11/2014. Espiritualidade. p.16.

Nota: o título original do artigo era “A Palestina do século I e ator sócio-religioso Jesus”.

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