quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

MEDICINA SARTORIAL

Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
Lembra o músculo sartório, do ilíaco à tíbia. Do latim “sartor/oris”, de “sarcire”: coser, remendar. Também chamado “músculo do alfaiate”. Como medicina sartorial rotulamos aquela sob medida, para mesmas doenças em doentes diferentes, “tailorizada”, do inglês “tailor”: alfaiate. A rigor não existe câncer, mas cânceres, e o termo designa várias moléstias. O adenocarcinoma (câncer oriundo de glândulas) do estomago, das mamas, tem comportamento e evolução diferentes.
Cada tumor é único e possui repertório individual de gens aberrantes. Contudo, são padronizados – embora algo aleatoriamente tratamentos do tipo “chumbo miúdo”, com drogas para todos os pacientes. Como enfermidade órfã de pais, colegas muitas vezes apelam para remédios alternativos, a maioria botânicos, alguns serendipitosamente encontrados, i. e., descobertos por acaso. A tais nos reportamos aqui nos artigos “chás.com” (10/9/2008) e “Vida: doença incurável?”, em 30/3/2011.
Muitas dessas substâncias datam de mais de 3 mil anos de empirismo asiático, incluindo-se o taxol, retirada do teixo e usada no câncer das mamas e dos ovários, e a vincristina, contra leucemia e os linfomas, obtida da pervinca, ou congossa. No Memorial Hospital de Nova York , em 1995, William R. Fair, 63, foi operado por câncer dos cólons, já com nódulos metastáticos. A despeito de dois anos de quimioterapia, o câncer acometera outros gânglios hepáticos. Nova laparotomia forneceu espécimes do tumor, os quais, após testes em ratos imunodeficientes, foram cultivados em incubadora especial.
Esta continha extrato de erva chinesa, “SPES”, e após semanas as células começaram a desaparecer. Fair começou então a tomar infusões da herva, e uma vacina aspirada da incubadora. O câncer não mais se manifestou (revista “The New Yorker”, novembro, 1998). Esta história ocorreu nos anos noventa, e o relato dá apenas ideia da complexidade. Cremos ter poupado os leitores de detalhes e questiúnculas mais técnicas.
Há dois anos, pesquisadores paulistas, seguindo linha análoga de pesquisa, conseguiram erradicar melanoma na pele de camundongos. Para o futuro esperam os mesmos resultados no tratamento do câncer do útero (D.N. 4/10/2012). Quanto à causa dessas lesões, os fatores hereditários vêm sendo reconhecidos como determinantes no diagnóstico do câncer dos cólons, das mamas, e dos ovários. Entre os primeiros, a prevalência da herança é de 20%.
Assim, indivíduos cujos ancestrais ou parentes tiveram ou têm pólipos colo- retais, apresentam aquele percentual para desenvolverem malignidades nessas regiões. Nestes, impõem-se as colonoscopias. Para os tumores mamários, esta herança é comprovada por exames genéticos, como a pesquisa de mutações nos gens BRCA 1 e 2, ao preço de 3.000 US dollars. Um resultado positivo motivou a mastectomia bilateral da americana Angelina Jolie. Sua mãe falecera por câncer nos ovários aos 56 anos, e ela mostrou 50% de chances de tê-lo ali, com 85% nas mamas (revista “Time”, 27/5/2013).
Aliás, a mastectomia consciente, antiga qual tudo no mundo, é citada na mitologia grega em relação às amazonas. Essas mulheres guerreiras exibiam a mama esquerda amputada para melhor manejarem o arco e a flecha. Contudo, não exultem as leitoras, pois aquela medicina sartorial é para ricos, ou se financiada por governos patrióticos, responsáveis, e competentes, como não teremos tido por 16 anos. “Hélas”!
(*) Médico, ex-presidente e atual secretário geral da Academia Cearense de Letras.
Fonte: O Povo, Opinião, de 26/11/2014. p.8.

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