sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

FRANÇA ACERTA CONTAS COM UM PASSADO INGLÓRIO

Por Maia De La Baume
Uma exposição no Museu dos Arquivos Nacionais é parte de um amplo reconhecimento francês de como o país se comportou na Segunda Guerra Mundial.
O telegrama de 1942 assinado por um dos mais altos funcionários do regime colaboracionista de Vichy determinou que prefeitos de áreas não ocupadas da França supervisionassem “pessoalmente” a transferência de milhares de judeus para campos de deportação. “O chefe de Estado quer que você assuma pessoalmente o controle das medidas tomadas em relação os judeus estrangeiros”, escreveu René Bousquet, o então chefe de polícia de Vichy. “Não hesite em acabar com qualquer resistência popular que encontrar.”
O telegrama era parte do processo contra Bousquet, que foi formalmente acusado em 1989 de crimes contra a humanidade por orquestrar a captura de judeus e ordenar a deportação de crianças. (Ele escapou da punição devido à sua colaboração logo após a guerra, mas foi assassinado em 1993, enquanto as acusações eram investigadas.)
O telegrama datilografado, com o papel amarelado pelo tempo, é um dos 300 documentos, incluindo cartas, fotos, itens pessoais, cartazes, fichas policiais e livros, em exibição na nova exposição do museu dos Arquivos Nacionais. A exposição, chamada “Colaboração 1940-1945”, aberta até o dia 2 de março, é uma das primeiras dedicadas a esse assunto. Faz parte de uma leva de comemorações do 70° aniversário da libertação da França do domínio nazista.
Recentemente, o colaboracionismo tem sido explorado em livros, filmes, documentários e até mesmo séries de televisão, como “Un Village Français”, que começou em 2009. É parte da tentativa de redimir a França de seu passado inglório. A percepção francesa de como o país se comportou durante a ocupação mudou. A França foi inicialmente mostrada como uma nação de resistência, mas na década de 90, o presidente Jacques Chirac citou o “delito coletivo” da nação.
Hoje, os historiadores definem o colaboracionismo francês como uma aliança política, administrativa, econômica, militar, ideológica e cultural com os nazistas. Mas “havia diferença de comportamentos” entre os indivíduos, disse Denis Peschanski, um dos curadores.
Peschanski disse que a exposição faz uma diferenciação entre colaboracionistas e colaboradores — “aqueles que eram inteiramente aliados à ocupação e aqueles que se acomodaram às circunstâncias.” Os colaboracionistas não só ajudaram os alemães ao seguir as ordens de Vichy ou buscar o lucro pessoal, mas tentaram fazer a França ressurgir através do governo nazista, disse ele.
Apesar do tema provocante, a exibição atraiu uma resposta positiva na França.
Incluindo empréstimos de coleções particulares, a exposição traça a cronologia de colaboração, desde o armistício assinado com a Alemanha em 1940 até o julgamento por traição do Marechal Philippe Pétain, chefe do regime de Vichy, em 1945. Ela engloba seis salas, cada uma ilustrando um tema, incluindo ações conjuntas da polícia francesa e alemã. Visitantes andam pelos corredores ao som de músicas do tempo da guerra e discursos de Pétain e Pierre Laval, ministro-chefe do Vichy. “Quero que a Alemanha vença porque, sem ela, o comunismo irá dominar tudo”, disse Laval em um discurso de 1941.
A exposição tem alguns documentos que estão sendo exibidos publicamente pela primeira vez. Entre eles, uma carta do escritor Louis-Ferdinand Céline parabenizando Lucien Rebatet, escritor colaboracionista, por seu panfleto “Les Décombres”, ou “As Ruinas”, que pedia o assassinato de judeus. Há capas de jornais, livros, cartas, cartazes e desenhos denunciando os judeus, comunistas e maçons.
O historiador Tal Bruttmann disse que a exposição mostra a importância da ideologia na colaboração. “Na França, há muito tempo percebemos que a colaboração não era um compromisso ideológico — acreditamos que os colaboradores eram bandidos”, disse Bruttmann. “Mas havia também os nazistas franceses.”
Entre as imagens raras em exposição está uma foto do embaixador de Hitler em Vichy, Otto Abetz, com Pétain e Laval. A foto foi tirada apenas horas antes do momento famoso em que Pétain apertou a mão de Hitler em Montoire, no centro da França. Em outra foto, tirada no dia 3 de julho de 1942, Pétain, Laval e Bousquet, o chefe de polícia, são vistos saindo do conselho ministerial em Paris.
Fonte: The New York Times / O Povo, de 29/12/14. p.6.

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