quarta-feira, 25 de março de 2015

E A PATA TEM RAZÃO



José Jackson Coelho Sampaio (*)
Palestrantes das novas escolas de planejamento, gestão, marketing ou autoajuda reincidem na alegoria da galinha que cacareja, diante da produção de seus pequenos ovos, e da pata que silencia frente aos seus grandes ovos. O elogio ao cacarejo da galinha e a declarada reserva frente ao comportamento da pata, que não propagandeia seu produto, tem-me feito refletir. E penso que a pata tem razão.
O industrial quer reproduzir prolífica linha de montagem e o usuário quer acesso às informações sobre preço e quantidade dos frutos destas aves. A ambos interessa os cacarejos, mais ainda aos publicitários que buscam unir as pontas desse processo produtivo, todos lucrativos beneficiários da exploração da natureza. Mas, da perspectiva das aves alegóricas, instrumentalizando-nos com a teoria da evolução, qual seria a moral da história?
Os galináceos são individualistas e desorientados; dormem completamente, quando o fazem; os machos cercam e bicam as fêmeas, para o acasalamento, e são dispostos à guerra com os competidores. O galo tem pênis de 2 mm e não penetra, no ato sexual. Uma galinha põe algo em torno de 300 ovos/ano, de 55 mg cada, fortes na incubação, e os pintos também são fortes já na primeira semana de vida. Como a taxa de sucesso é alta, o cacarejo da galinha é luxo que apenas torna cenográfico o processo reprodutivo.
Os patos têm senso de comunidade e de direção; atentos, dormem com metade do cérebro; e os machos dançam para conquistar a fêmea que escolhe e indica aos demais cortejadores com quem consumará o acasalamento. O pato tem pênis de 5 cm e penetra, no ato sexual. Porém, uma pata põe apenas 40 ovos por ano, de 100 g cada, muito frágeis na incubação, tendendo a morrer por insuficiente evaporação de água, e os patinhos também são frágeis na primeira semana de vida, pela escassa penugem protetora. A penetração aumenta o sucesso da fecundação e o silêncio da pata gera eficaz defesa evolucionista, preservando os patinhos dos predadores. É de ouro o silêncio da pata.
 (*) Professor titular em saúde pública e reitor da Uece.
Publicado In: O Povo, Opinião, de 24/1/15. p.8.

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