segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

DESPRENDIMENTO E POBREZA CRISTÃ

Por Francisco Fernandez Carvajal (*)

I. O EFETIVO DESPRENDIMENTO daquilo que somos e possuímos é necessário para seguirmos Jesus, para abrirmos a alma ao Senhor que passa e nos chama pelo nosso nome. Pelo contrário, o apego aos bens da terra fecha as portas a Cristo e fecha-nos as portas ao amor e ao entendimento daquilo que é o mais essencial na nossa vida: Qualquer um de vós que não renuncie a tudo o que possui não pode ser meu discípulo.
O nascimento de Jesus, como toda a sua vida, é um convite para que examinemos nestes dias a atitude do nosso coração em relação aos bens da terra. O Senhor, Unigênito do Pai, Redentor do mundo, não nasce num palácio, mas numa gruta; não numa grande cidade, mas numa aldeia perdida, em Belém. Não teve um berço, mas uma manjedoura. A fuga precipitada para o Egito foi para a Sagrada Família a experiência do exílio numa terra estranha, com poucos meios de subsistência além dos braços acostumados ao trabalho de José. Durante a sua vida pública, Jesus passará fome e não disporá de duas pequenas moedas de pouco valor para pagar o tributo do Templo. Ele próprio dirá que o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. A morte na Cruz é a demonstração do seu supremo desprendimento. O Senhor quis conhecer o rigor da pobreza extrema – carência do necessário – especialmente nas horas mais importantes da sua vida.
A pobreza que o Senhor nos pede a todos não é sujeira, nem miséria, nem desleixo, nem preguiça. Essas coisas não são virtude. A pobreza que o cristão tem que viver deve ser uma pobreza ligada ao trabalho, ao cuidado da casa e dos instrumentos de trabalho, à ajuda aos outros, à sobriedade de vida. Por isso já se disse que “foram sempre o melhor exemplo de pobreza esses pais e essas mães de família numerosa e pobre que se desfazem pelos filhos e que os mantêm com o seu esforço e constância – muitas vezes sem voz para dizer a ninguém que passam necessidades –, criando um lar alegre onde todos aprendem a amar, a servir, a trabalhar”.
Quando se dispõe de recursos de fortuna, também é possível viver como “esses pais e essas mães de família numerosa e pobre” e usar desses meios materiais para fazer o bem, porque “a pobreza que Jesus declarou bem-aventurada é aquela que se baseia no desprendimento, na confiança em Deus, na sobriedade e na disposição de compartilhar com os outros”.
Para vivermos o desprendimento dos bens, no meio da onda de materialismo que parece submergir a humanidade, temos que olhar para o nosso Modelo, Jesus Cristo, que se fez pobre por amor de nós, para que vós fôsseis ricos pela sua pobreza. 

II. OS POBRES a quem o Senhor promete o Reino dos céus não são todos os que padecem necessidade, mas aqueles que, tendo ou não bens materiais, não se sentem presos a eles. É uma pobreza segundo o espírito, que deve ser vivida em qualquer circunstância da vida. Eu sei viver na abundância – dizia São Paulo – e sei viver na fome e na escassez.
O homem pode orientar a sua vida para Deus, usando de todas as coisas materiais como meios, ou pode ter como fim o dinheiro e a riqueza nas suas múltiplas manifestações: desejos de luxo, de comodidade desmedida, ambição, cobiça... São dois fins inconciliáveis: Não se pode servir a dois senhores. O amor à riqueza desaloja violentamente o amor a Deus: não é possível que Deus possa habitar um coração que já está cheio de outro amor. A palavra divina fica afogada no coração do rico, como a semente que cai entre espinhos. Por isso não nos surpreende ouvir o Senhor ensinar que é mais fácil a um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que a um rico entrar no Reino dos céus. E como é fácil, se não se está vigilante, que o espírito de riqueza invada o coração!
A Igreja tem-nos recordado sempre, desde o seu início até os nossos dias, que o cristão deve estar de sobreaviso quanto ao modo de utilizar os bens materiais, e “chama a atenção dos seus filhos para que cuidem de orientar retamente os seus afetos, a fim de que não aconteça que o uso das coisas do mundo e o apego às riquezas, contrário ao espírito de pobreza evangélica, os impeça de alcançar a caridade perfeita. Lembra-lhes a advertência do Apóstolo: Os que usam deste mundo não se detenham nele, porque os atrativos deste mundo passam (cfr. 1 Cor 7, 31)”. Quem se apega às coisas da terra não só perverte o seu uso reto e destrói a ordem estabelecida por Deus, mas, além disso, fica com a alma insatisfeita, prisioneira desses bens materiais que a tornam incapaz de amar verdadeiramente a Deus.
O estilo de vida cristão exige uma mudança radical de atitude em relação aos bens terrenos: estes devem ser procurados e usados não como se fossem um fim, mas enquanto meios para servir a Deus. Como meios que são, não merecem que se ponha neles o coração; são outros os bens autênticos.
Devemos recordar na nossa oração que o desprendimento exige sacrifício. Se o desprendimento não custa, é porque não é bem vivido. E manifesta-se frequentemente em saber prescindir do supérfluo, em lutar contra a tendência desordenada para o bem-estar e para a comodidade, em evitar caprichos, em renunciar ao luxo e aos gastos feitos por pura vaidade, etc.
É tão importante esta virtude para um cristão, que bem se pode dizer que “quem não ama e vive a virtude da pobreza não tem o espírito de Cristo. E isto é válido para todos: tanto para o anacoreta que se retira para o deserto, como para o simples cristão que vive no meio da sociedade humana, usando dos recursos deste mundo ou carecendo de muitos deles...” 

III. O CORAÇÃO HUMANO tende a buscar os bens da terra de uma maneira desmedida; se não empreender, pois, uma luta real por viver desprendido das coisas, pode-se afirmar que, de modo mais ou menos consciente, colocou o seu fim nas coisas da terra. E o cristão não deve esquecer nunca que caminha para Deus.
Devemos, portanto, examinar-nos com frequência, perguntando-nos se amamos a virtude da pobreza e se a vivemos; se cuidamos de não cair no excesso de conforto ou num aburguesamento que é incompatível com a nossa condição de discípulos de Cristo; se estamos desprendidos das coisas da terra; se as possuímos, enfim, como meios para fazer o bem e viver cada vez mais perto de Deus.
Podemos e devemos sempre ser comedidos nas necessidades pessoais, vigiando a tendência para criar falsas necessidades e sendo generosos na esmola e na ajuda a obras boas. Devemos cuidar com esmero das coisas do nosso lar, bem como de todo o tipo de bens que nos venham parar às mãos, pois, na realidade, só os possuímos como que em depósito, para administrá-los bem. “Pobreza é o verdadeiro desprendimento das coisas terrenas, é enfrentar com alegria as incomodidades, se as há, ou a falta de meios [...]. Viver pensando nos outros, usar as coisas de tal maneira que haja algo para oferecer aos outros – tudo isso são dimensões da pobreza que garantem o desprendimento efetivo”.
É desta e de muitas outras formas que se manifesta o nosso desejo de não ter o coração posto nas riquezas, mesmo quando, pela profissão que exercemos, dispomos para nosso uso pessoal de outros bens. A sobriedade de que dermos provas então será o bom aroma de Cristo, que deve acompanhar sempre a vida de um cristão.
Dirigindo-se a homens e mulheres que se esforçam por alcançar a santidade no meio do mundo – comerciantes, professores universitários, camponeses, empregados de escritório, pais e mães de família – dizia o Bem-aventurado Josemaría Escrivá: “Todo o cristão corrente tem que tornar compatíveis na sua vida dois aspectos que, à primeira vista, podem parecer contraditórios: pobreza real, que se note e que se toque – feita de coisas concretas –, que seja uma profissão de fé em Deus, uma manifestação de que o coração não se satisfaz com coisas criadas, mas aspira ao Criador, desejando encher-se do amor de Deus e depois dar a todos desse mesmo amor; e, ao mesmo tempo, ser mais um entre os seus irmãos os homens, de cuja vida participa, com quem se alegra, com quem colabora, amando o mundo e todas as coisas criadas, a fim de resolver os problemas da vida humana e estabelecer o ambiente espiritual e material que facilite o desenvolvimento das pessoas e das comunidades. Conseguir a síntese entre esses dois aspectos é – em boa parte – questão pessoal, questão de vida interior, para julgar em cada momento, para encontrar em cada caso o que Deus pede”.
Se lutarmos eficazmente por viver desprendidos do que temos e usamos, o Senhor encontrará o nosso coração limpo e completamente aberto quando vier novamente a nós neste Natal. Não acontecerá com a nossa alma o que aconteceu naquela pousada: estava cheia e não tinham lugar para o Senhor.
(*) Padre, teólogo e escritor espanhol.
Fonte: Meditação diária de Falar com Deus.

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