segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A EDUCAÇÃO ENJEITADA


Por Cláudio de Moura Castro (*)
As escolas acadêmicas têm uma cultura organizacional hostil a áreas técnicas. Alunos e professores de classe média desdenham essas carreiras
Entra ano, sai ano, nossa educação técnica permanece atrofiada. Como não temos estudos equivalentes. vale notar que nos Estados Unidos apenas 20% da força de trabalho necessita de bacharelado de quatro anos. Em contraste, é muito maior a proporção dos que necessitam de algum tipo de formação técnica ou profissional. Lá, essa formação é predominantemente oferecida nos Community Colleges, cujos formandos são mais numerosos do que os bacharéis de quatro anos.
Na Europa, pode chegar a 70% da coorte a proporção de jovens na idade do ensino médio que cursam formações técnico-profissionais. No Brasil, dos que se formam no médio, somente cerca de 10% cursaram escolas técnicas.
Por que estaríamos tão fora dos padrões internacionais? Há várias causas, mas uma parece predominar. Sendo o ensino técnico uma combinação de ensino médio com um complemento profissionalizante, pela nossa legislação, somam-se as 1000 horas de carga horária do técnico à duração regular do médio. Somos diferentes de todos os países conhecidos, em que as disciplinas do técnico substituem outras disciplinas do ciclo acadêmico. Ou seja, obtêm-se os diplomas técnicos com a mesma carga horária do médio regular.
Têm pouca motivação para cursar um técnico os brasileiros mais modestos e mais pressionados para entrar no mercado de trabalho. Além da duração excessiva, o currículo do ensino médio é chato, distante e já hipertrofiado. Resta a alternativa de fazer um ano adicional de estudos. É absurdo que um aluno, para entrar no ITA, precise estudar 1 000 horas a menos do que para se formar em técnico de administração.
Neste momento em que se reformula o ensino médio, não devemos perder a oportunidade de corrigir esse equívoco vergonhoso. Como se busca limitar os conteúdos da nova base curricular, com o objetivo de possibilitar uma diversificação nesse nível, a maneira mais prática de resolver o problema do técnico é considerá-lo como mais uma modalidade de diversificação.
Se assim for feito, quem optar por um curso técnico poderá cursá-lo como se fora uma das opções da diversificação – que a nova legislação tenta viabilizar. Por exemplo, em vez de ciências biológicas ou humanidades, pode fazer um currículo técnico de eletrônica.
Especialização prematura! Adestramento! Onde está a formação humanista? A essas críticas bobocas, cabem duas respostas. A primeira: o currículo técnico equivale a apenas um ano de estudos, em uma escolaridade de doze. A segunda: assim se faz nos países de melhor educação e com democracia mais consolidada. Esperamos que a nova lei estimule a adoção de currículos experimentais, considerando a rápida evolução e segmentação das ocupações técnicas. Em certas áreas, em um par de anos, o currículo se torna defasado.
Na prática, as escolas acadêmicas têm uma cultura organizacional hostil a certas áreas técnicas, sobretudo as manufaturas. Alunos e professores de classe média desdenham ou discriminam essas carreiras. Nesses casos, é mais apropriado e eficiente que as horas do técnico sejam oferecidas em outras instituições mais afinadas com o trabalho industrial. Mas essas são opções que devem permanecer abertas. O espírito da lei deve ser liberdade e flexibilidade valores que andam na contramão da nossa cultura.
Nem sempre se justifica uma formação profissional de 1000 horas ou até mais. Há inúmeros casos de cursos que podem ser muito mais curtos. Pela lei, não podem justificar o diploma de técnico, mas estão em linha com o que o mercado de trabalho valoriza. Portanto, na parte diversificada do currículo do ensino médio, deverá ser possível incluir programas mais curtos, sobre quaisquer assuntos que possam enriquecer o perfil profissional dos graduados. A título de exemplo, o Senai e o Senac oferecem centenas de cursos profissionalizantes, de duração variada. Entre muitas outras, são possibilidades interessantes para alunos do médio.
No fundo, o técnico é vítima do mito da “Universidade para todos” e do preconceito atávico de nossa sociedade contra aquelas ocupações em que se usam as mãos. Precisamos parar de vender sonhos irrealistas e ao arrepio do mercado de trabalho. Nesses assuntos, tudo sai torto, porque a sociedade vê torto.
(*) Economista. Expert em Educação. Articulista da Veja.

Fonte: Veja, Ed 2456. Ano 48, n.50, 16/12/15 p.24.

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