quarta-feira, 2 de março de 2016

AS FACES ANTÍPODAS DA GLÓRIA


"Soldados da Borracha" partem para a Amazônia.
O Dr. Haroldo Juaçaba foi testemunha ocular da sofrida epopéia dos “Soldados da Borracha” e deixou uma pasta repleta de apontamentos pessoais e documentos pertinentes ao período em que ele fora vinculado ao Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores da Amazônia, durante a II Grande Guerra.
A trajetória do Prof. Juaçaba na Amazônia no período da II Guerra Mundial proporciona conhecimentos sobre a vida desse mestre da medicina cearense, ao mesmo tempo em que informa sobre uma Amazônia que continua a esperar o cumprimento das promessas que Vargas lhes assegurou, quando sete décadas já se passaram.
As condições de trabalho e de vida dos trabalhadores rotulados de “Soldados da Borracha”, denunciadas nos relatórios do então jovem discípulo de Esculápio, atestam, inapelavelmente, um quadro dantesco da realidade experimentada por tão sacrificados homens. Por certo, a convivência em um ambiente tão inóspito das selvas amazônicas, com tantos inimigos, visíveis ou microscópicos, parece lembrar que os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), acantonados ou espalhados no Norte da Itália, que, sob a custódia do exército norte-americano, lutavam contra exauridas forças tedescas, compostas basicamente por jovens recém-recrutados, estariam vivenciando uma visão localmente paradisíaca.
Prova inconteste disso repousa no fato de que a maioria dos “febianos” voltou ilesa à Pátria, ao passo que mais da metade de força de trabalho envolvida no extrativismo da borracha, para os fins bélicos, pereceu incógnita na Amazônia. Ao que parece, o governo brasileiro perpetrou um genocídio contra o seu próprio povo, posto que, de um contingente da ordem de 55 mil homens, cerca de 25 mil sucumbiram já no primeiro ano.
Para uns, que viraram heróis de guerra, renderam-se tamanhas homenagens aos que sobreviveram e aos poucos que tombaram em solo italiano; para outros, desvalidos e oriundos de estratos sociais descamisados, não restou sequer um cenotáfio, que relembre os seus feitos heróicos. É impossível comparar os poucos que descansam em Pistóia com os muitos que jazem na vastidão amazônica, sem uma lápide, que deseje R.I.P., ou mesmo uma cruz cristã, indicativa da presença dos despojos de um filho de Deus.
Não se pode olvidar que os “febianos” arriscaram, de algum modo, suas vidas na península itálica. Eles foram remidos pela Pátria amada, ao contrário dos “Soldados da Borracha”.
Prof. Dr. Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Sócio do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico)
* Publicado In: O Povo. Fortaleza, 1º de março de 2016. Caderno A (Opinião). p.9.

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