sábado, 2 de julho de 2016

MULHER E LITERATURA


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Uma das formas da mulher encontrar o seu lugar no mundo é deixar de escrever às escondidas. Aprender a manifestar-se publicamente porque, em certa época, as letras não eram consideradas artefatos de uso feminino. Às vezes, se escreve para enfrentar com vontade libertária uma condição subalterna que a sociedade impõe. De qualquer maneira, a presença das mulheres na literatura brasileira tem sido forte e prodigiosa.
A escritora feminina mais antiga do Brasil é a portuguesa Teresa Margarida da Silva e Orta, nascida em São Paulo, em 1711, ex-secretária do Marquês de Pombal. Era filha de um dos homens mais ricos de Portugal na época. É autora do romance: Aventuras de Diófanes (1752). Foi considerada pela Academia Brasileira de Letras como a "primeira romancista brasileira".
A literatura foi para a mulher uma arma para a emancipação. Vejo na literatura em geral uma espécie de sismógrafo das transformações sociais. A fobia sexual deu lugar a sexofilia.
Helena Morley, pseudônimo da dona de casa mineira, Alice Dayrell Caldeira Brant, escreveu um diário famoso dos últimos anos do século XIX em Diamantina: Minha Vida de Menina. Estimulada pelo pai, pequeno minerador descendente de ingleses, escreveu um diário relatando o que se passava ao seu redor.  Helena Morley faleceu no Rio de Janeiro, nos anos 70. Descreveu o cotidiano das mulheres de sua época e fez considerações sensíveis sobre o casamento e a maternidade.
A escritora Lygia Fagundes Telles considera o testemunho de Helena um avanço importante na narrativa feminina do país e afirma: "Apesar da beleza do relato, o tema não é o que mais importa, mas a qualidade do texto, que sem sombra de dúvida eu digo que é maravilhoso. O mais importante não é o que está sendo dito, mas como”.
Muito embora não existam diferenças de gênero no estilo literário, alguns julgam haver uma escrita de caráter feminino. Quem assim pensa esquece que literatura é fruto do ser, de uma pessoa que pensa, que sente, que observa e cria, independente de seu sexo.
O que pode acontecer, com certas escritoras mulheres, é o direcionamento a assuntos do universo feminino. Considerar este fato como a confirmação da existência de uma literatura feminina, me parece um exagero.
É sabido que Simone de Beauvoir relutava em aceitar o envelhecimento, isso é coisa do “mundo feminino"? Kafka foi homem e escreveu seus sentimentos com grande fidelidade, embora as mulheres, por serem mais sensíveis, expressem sentimentos mais profundos com maior facilidade que os escritores do sexo masculino, não há regra para isso.
O escritor, independente do sexo a que pertença, “é alguém que presta atenção no mundo", segundo a escritora Suzan Sontag. Quem transgride as regras estabelecidas sofre maior pressão e condenação e a mulher, enquanto escritora, muito mais. As condições femininas levam as mulheres a ficar mais expostas a falatórios. A exposição literária é difícil para todos, essa é a grande verdade.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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