segunda-feira, 24 de outubro de 2016

ARTIGO


Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
Retrato da cultura de um povo, a literatura é uma criação intelectual, com letras, obedecendo a critérios artísticos e formais. Representa uma transfiguração do real por quem a exerce, criando uma nova realidade. Literatura implica sobretudo ficção, do latim “fingere”: fingir, imaginar.
Embora feita com letras, nem tudo escrito é Literatura.
Neste sentido as bulas dos remédios não o são, como talvez nem as papais. Por igual, não é literário um tratado de astronomia, anatomia, ou haliêutica (relativo à pesca) pois dali excluem-se as especulações da imaginação. Ficção literária exige “literariedade”, um tempero próprio, requer indicadores específicos da linguagem, dos significados e dos significantes (ver Aurélio ou Houaiss). Desde a Antiguidade (Aristóteles, 384-322 a.C.), a literatura usa formas ou fôrmas especiais, denominadas gêneros. Estes, oriundos do latim “genus/eris” (nascimento, descendência), aqui referem-se a temas e trajes característicos, dividindo-se em narrativo (ou épico), lírico e dramático. (São épicos a “Ilíada”, e a “Odisséia”, atribuídos a Homero, e “Os Lusíadas”, de Camões).
O gênero narrativo (ou da prosa) abriga principalmente a “crônica”, o “conto”, o “ensaio”, a “novela”, e o mais longo destes, o “romance”. (No Brasil veríssimas novelas são “O Alienista”, de Machado de Assis, e “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo). A “crônica” geralmente subentende “kronos”, grego para tempo. Relata fatos efêmeros, embora relevantes para sua época. Vão bem em jornais, e assistem pesquisadores na historiografia.
No Ceará, na crônica exceleram Caio Cid, Rachel de Queiroz, Milton Dias, Airton Monte, Antônio Girão Barroso, e – nacionalmente – Rubem Braga, capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, escritor realmente de espírito santo. O “conto” tem princípio, meio e fim, é mais curto do que o “romance”, e teria sido a matriz da prosa de ficção. Machado de Assis, jocosamente afirmou ser o conto-do-vigário o mais antigo gênero de ficção.
No conto avultaram os russos Gogol – para alguns o fundador deste gênero – e Chekov, Balzac, Flaubert, Maupassant, Somerset Maugham, J. L. Borges, O. Henry, Faulkner, entre tantoutros. O Brasil contribuiu com Machado de Assis (“Missa do Galo”, “Uns braços”), Lima Barreto, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, outro Rubem, o Fonseca, e nosso expoente, Moreira contos, digo Moreira Campos. Este (?) teria dito ser conto o que seu autor assim declara.
Amiúde sobrepõem-se os gêneros, nisto sendo eloquente o “cordel”, este, a rigor, um estilo venial, mescla de crônica, conto, e enredos épicos. E não raro deparamos com verdadeiros “crontos”!, como batizamos tais combinações. As rédeas dos pensamentos tentam me atrair para outras veredas, como a novela, o romance, o ensaio.
Resisto à sedução, e apeio-me agora. Estas anotações foram ensejadas por comentários ouvidos a gentis leitores, acerca dos meus textos aqui. Alguns os chamam crônicas, contos, outros de reportagens, entrevistas, ou até de coluna (onde às vezes já me dói!). Gostaram deste artigo?
(*) Professor Emérito da UFC. Titular das Academias Cearense de Letras, de Medicina e de Médicos Escritores.
Fonte: O Povo, Opinião, de 21/9/2016. p.10.

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