terça-feira, 1 de novembro de 2016

RESPONSABILIDADE DA GERAÇÃO PASSADA


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta

Se os jovens não forem alertados a tempo, a quantidade absurda de informação poderá tornar-se muito perigosa para a soberania pública. É bom lembrar que temos ainda a esperança de que, em certo momento, uma probabilidade fundamentada na facilidade digital nos permita alcançar algo que possa pôr fim às excentricidades e futilidade deste contemporâneo cibernético…

Texto de um Facebook
“Essa semana uma amiga passou mal, foi levada a emergência e enquanto tava sendo medicada não parava de pensar nos textos que precisava ler e no quanto não podia adoecer simplesmente pq precisava se esgotar entre mestrado, graduação e estágio. Tem uns dois semestres que eu venho inventando força do além pra não surtar, não enlouquecer enquanto luto contra a depressão trabalhando dez horas por dia, fazendo graduação e me preparando pra uma pós. Todo semestre alunos trancam cursos pq ou priorizam sua saúde mental e abandonam o curso ou se matam. Todo fim de semestre estudantes universitários movimentam o mercado de remédios controlados pra ficarem acesos pras provas. Todos fins de semestres alunos têm crises e mais crises de ansiedade, depressão e pânico por precisar da conta de uma rotina enlouquecedora de provas e afins. Mais da metade dos meus amigos da faculdade desenvolveram algum transtorno psíquico durante o curso. O TCC e o exame da ordem adoecem e enlouquece mais da metade dos alunos de direito.
Hoje, um rapaz no meio de ataque psíquico ameaçou explodir com bombas (que depois foi comprovado que não era nada mais que balas de gengibre) o local onde iria ser realizada a prova da OAB. Hoje algumas centenas de pessoas passaram pelo pior dia das suas vidas, acharam que morreriam, tiveram crise de pânico e desespero. 
Hoje quem surtou foi o tal “homem bomba”. Mas, hoje poderia ser qualquer um estudante universitário que se vê sobrecarregado com dinâmicas e pressões mil sobre o presente e sobre a necessidade de ter respostas e soluções mágicas do futuro. Más, amanhã quando a poeira baixar o sistema de educação universitária vai continuar surtando e adoecendo tantos alunos. Já passou da hora de reavaliar os métodos educacionais atuais.
*Post editado por faltar certeza sobre as causas do suicídio do colega e enviado por um pai de uma jovem”.
*****
Não estou aqui desejando fazer autobiografia sobre a minha experiência pretérita de Pediatra ou Psicoterapeuta de Jovem, porém acredito ser pertinente este artigo que acabei de escrever.
Qual a responsabilidade das pessoas de gerações anteriores, ainda vivas?
A pergunta refere-se ao encargo que cada um tem com relação ao mundo que deixa para a posteridade. Ou se continuaremos, depois de partir, a influenciar as pessoas pelas quais fomos responsáveis.
O conhecimento que passamos aos que ficam, a impressão do formato das ideias que transmitimos, na intenção de fazer com que os fulanos permaneçam comprometidos são a nossa responsabilidade para com um mundo pelo qual não somos mais responsáveis. Independentemente de crermos ou não na vida após a morte.
A geração atual passou pela infância, adolescência e entrou na idade adulta habitando um planeta digital e nós, que desconhecíamos esse planeta, não tínhamos nada para comparar seus méritos ou vícios com os avanços tecnológicos. O meu GPS não estava pronto e aprendi a viver com ele. Como a linguagem da informática não foi minha língua materna, falo com sotaque, mas me comunico.
Se os jovens não forem alertados a tempo, a quantidade absurda de informação poderá tornar-se muito perigosa para a soberania pública. É bom lembrar que temos ainda a esperança de que, em certo momento, uma probabilidade fundamentada na facilidade digital nos permita alcançar algo que possa pôr fim às excentricidades e futilidade deste contemporâneo cibernético…
O mundo só pode andar pra frente. Não valeria a pena chegar aos setenta, agora aos mais de oitenta anos, se toda a sabedoria do mundo fosse tolice acumulada.
Aprendi como médico psicoterapeuta não negar a ninguém a religião, se nada melhor existe para pôr no seu lugar.
De qualquer maneira, nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos quando fazemos. Nos dias que não fazemos, apenas duramos e então, perdemos a razão de viver.
A responsabilidade do idoso (não confundir com velho) é, enquanto possível, tentar instruir, educar, exemplificar, a partir de nossa vivência, os que irão prosseguir na jornada e nunca dizer no meu tempo, pois o tempo é o mesmo enquanto vivo formos velhos, moços ou crianças…
Enquanto vivos, temos essa obrigação. No entanto, existem três tipos de pessoas cuja vida não merece este nome: as de coração mole, as de coração duro e as de coração pesado.
Concluo dizendo que cada geração trabalha pelos seus cômodos e felicidades e desconhece que na verdade vive para as gerações seguintes. A vida responsável não termina quando se morre. Lembro uma coisa: o tempo da vida é o tempo da memória. E tem mais, às pessoas respeitam quem se respeita a si mesmo.
Jamais devemos perder a capacidade de nos indignar.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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