sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

PÁDUA, SAFIRA E A FLOR EXPOSTA


Por João Soares Neto (*)
Caro Pádua Lopes, desculpe-me por me imiscuir com a sua Safira. Não a pedra preciosa azul usada nos anéis dos engenheiros e dos administradores. Escrevo sobre a mulher erigida em seu romance, de capa do mesmo matiz, “Safira Não é Flor”.
Uma crendice assevera, para as pessoas nominadas Safira, personalidade com sabedoria, fidelidade e razão. Imagina!
Não haveria muito a acrescentar à crítica segura de Dellano Rios (DN, 05.11.2016). Refiro, mesmo sendo óbvio, nada há em mim de crítico literário. Vou escrever o lido, o sublinhado, sem ordenação e raso como um pé de alface.
Deixo para leitores cultos beber a história lavrada em 278 páginas, palavra a palavra. Admito ser modéstia do Pádua se restringir à marotice de presentear “Safira” a amigos. Obrigado, Pádua. Por favor, deixe o seu belo livro aparecer em estantes condignas nas escassas livrarias locais, aviltadas e semidestruídas pela incursão de empresas de capital aberto ou daquelas financiadas a juros mínimos. Elas se estabeleceram aqui para vender de tudo. Até livros.
Safira parece ter algo a ver com o citado no livro cinco dos Atos dos Apóstolos, no Novo Testamento. Essa Safira bíblica foi, junto com o marido Ananias, condenada à morte por faltarem à verdade ao Espírito Santo.
A Safira do Pádua não era santa, não foi condenada por sua escapadela à Europa com alguém apenas conhecido via Internet. Ela o fez sem sentimento de culpa, mesmo ao saber de outro estranho na empreitada. Larga o marido e os três filhos. Iria, para consumo familiar, viajar com amigas.
Lá se foi Safira para a Itália, não para rezar, mas para escarafunchar museus, igrejas, lojas, restaurantes com acepipes e vinhos, hospedando-se em requintados ou simples hotéis, sem deixar de vivenciar espelunca.
Passam por cidades como Veneza, Milão, Firenze e Roma. É exato aí quando o autor se desfaz em ciente de artes, contando as histórias de cada obra e do seu artífice. Ele diz: “Gostar de arte, no sentido de apreciá-la com inteligência e sensibilidade, é uma etapa atingida por quem se emociona com a mensagem estética”. Dou fé.
Transpostas as soleiras de igrejas, de praças, de museus, Safira se espanta com a profusão de arte. A Itália é um grande museu, com várias exposições marcando os signos e os significados de escolas e séculos diferentes. Esse grande Museu há resistido a guerras e terremotos. Como o mais recente. Os sismos podem sacudir a terra do indefectível Berlusconi, o vário, mas não a destrói.
Depois de tudo visto, a trinca foi parar na Grécia. O fim do século XX não era ainda pleno de barcaças com imigrantes árabes e africanos morrendo ou singrando o Mediterrâneo, em busca da Europa a apontar não a entrada, mas a saída ou, como dizem os ingleses, the Exit.
Devo arranjar um jeito de incluir a palavra tessitura. Ela aparenta erudição. Não a possuo. Pois bem, há na tessitura de Lopes – fica chique assim – um Aracati novo na brisa literária cearense.
Ele embaralha arte sacra e profana, história geral, geografia e o enlevo picante de (des)amantes de primeira viagem. De sentença em sentença, Pádua marca um ponto no bingo com o leitor.
Ele dá pista, falsa ou vera, de personagens ao falar do figurante Melchior - não o Rei Mago - e de seus seguidores. Mostra pudor ao escrever “calcinha íntima” e finaliza com cartas capitais.
Recomendo a leitura de Safira a quem gosta e sabe ler. Aos embevecidos com a arte. Aos informados ou curiosos da História antiga e da Renascença, com um mínimo de concentração para captar a saudável trama urdida.  Parabéns, Pádua.
(*) João Soares Neto é escritor e membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: Publicado no jornal O Estado, 11/11/16.

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