domingo, 19 de março de 2017

A CRÔNICA É A CANÇÃO DA LITERATURA

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A crônica é o melhor recurso que o jornalismo tem para enfrentar os novos tempos. É a mescla da informação com a emoção, do mundo objetivo, público, com o mundo privado ou íntimo. Por meio dela, ao mesmo tempo pode-se descrever a notícia que afeta uma comunidade e entender sua repercussão individual. E, a partir disso, analisar por que essa notícia transforma a vida de certas pessoas.
A crônica tem muito prestígio cultural. Se você perguntar a uma autoridade, a um empresário ou a um leitor comum se eles gostam de crônica, vão dizer que sim, porque ela evoca o humano, o real.
Por outro lado, há uma busca pela audiência, hoje potencializada pela internet, que faz com que tudo o que tenha sangue seja valorizado "if it bleeds, it leads" (se sangra, tem destaque), tendência que nunca foi tão verdadeira como na mídia atual.
Outro dia, eu estava olhando o índice de um dos meus livros de crônicas. Notei que 80% delas tinham saído em veículos que não existem mais. São publicações efêmeras, suicidas ou pouco lucrativas.
Nós, cronistas, temos prestígio, mas a nossa transcendência não é tão grande quanto imaginamos. Conto nos dedos das mãos os cronistas que sobrevivem escrevendo crônicas. Quando muito, ficam a mendigar espaços nos periódicos para escrever de graça. O prestígio de muito dono de jornal vem do poder de oferecer espaço para as crônicas.
A crônica por parecer um gênero mais fácil, e realmente o é, para os que ousam mostrar suas tendências literárias para sobreviver. No entanto, sabendo ou não, estão vendendo a granel a sua vocação ou sua falta de vocação de escritor.
Alguns fazem delas narração histórica, por ordem cronológica, pequeno conto, de enredo indeterminado, ou texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal. Outras não passam de seção de revista ou de jornal, conjunto de notícias sobre alguém ou algum assunto. O pior é que a crônica aborda assunto mais literário do que jornalístico e não admite o anonimato, ela tem de ser assinada. Para ser crônica tem que ser assim.
O cronista é um homem que passa a vida procurando contar as ocorrências diárias, tentando fazê-lo com graça. Sofre até os males do envelhecimento, pois quando o cronista está escrevendo um artigo suspeita que já o tenha escrito. E o pior é que com o passar do tempo vamos ficando mais enfastiados de nós mesmos. Não caia nessa de pedir para que seu artigo seja publicado. Vira um vício muito perigoso. Nem craque vicia tanto.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

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