sexta-feira, 28 de abril de 2017

DA OBRIGAÇÃO LEGÍTIMA DE SER PESSIMISTA



Por Paulo Elpídio de Menezes Neto (*)
De analistas políticos ou de intelectuais não engajados, que não têm receita pronta para os males da sociedade, diz-se que são, em geral, pessimistas. Houve quem os classificasse, por aqui, como criaturas perigosas, para quem o pior é o melhor. Norberto Bobbio (“O dever de sermos pessimistas”, 1977) enxergou no pessimismo a manifestação legítima do dever civil. Por esse tempo, como se sabe, a Itália se contorcia nos estertores de grave crise institucional. Bobbio distinguia, em face da fragilidade do Estado italiano, a diferença entre “ser pessimista” e o “dever ser pessimista”: “quando me abandono aos impulsos de minha vontade de desejar, sou otimista”. Somos otimistas por temperamento ou inclinação. Devemos ser pessimistas quando buscamos entender pela razão… A visão crítica dos fatos sociais (e políticos, por extensão) traduz, como diria Bobbio, “o pessimismo da inteligência, perfeitamente compatível com o otimismo da vontade”. Pessimista é aquele que teme; derrotista o que espera (autoflagelação?) o pior…
Os governos desta frágil latinidade continental têm muito em comum: economias combalidas, levadas à ruína por políticas equivocadas e alianças corrompidas; a inépcia dos seus governantes, amparados por velhas muletas ideológicas de há muito abandonadas, quando já se exaurira o poderio terreno da Fé; a corrupção e o compadrio, compartilhados em alianças suspeitas. Essas formas canhestras de “democraturas” latino-americanas confundem frágeis instrumentos democráticos e republicanos com os aparelhos eficientes do autoritarismo, perfilam imagens semânticas progressistas, corrompem as palavras e falseiam os conceitos. Democraturas são governos saídos de golpes dissimulados ou de eleições manipuladas, à esquerda ou à direita, e os movimentos revolucionários quanto os reacionários, mergulhados em suas certezas pós-ideológicas. E o populismo que fala, fundo, à insatisfação das massas com suas falsas revelações salvadoras.
Os partidos perderam o sentido real de suas funções, transformaram-se em máquinas político-burocráticas processadoras de candidaturas concebidas por estreitas afinidades entre o capital empreendedor e o trabalho de agentes públicos... E, por terem assim se multiplicado, por simples cissiparidade de interesses, assenhorearam-se da governabilidade do Estado com os atavios das coalizões. Não que devam ser de todo exemplares as pessoas capazes de assegurar o bom governo das sociedades. Esse equilíbrio duvidoso tende a realizar-se, entretanto, à medida que o sistema político se estrutura solidariamente, induzido pela força de uma “inteligência” coletiva. Fortalecem essas estruturas de poder regras, normas, procedimentos, instituições equilibradas, mecanismos efetivos de governo e representatividade política, essenciais ao ordenamento constitucional em uma democracia. Esses são os ingredientes que fazem a sociedade resistir aos maus políticos.
A democracia tem chances reais de sobreviver à mediocridade de seus atores. Basta que a sociedade seja bem governada e contida diante da sedução de desvios pressentidos pela “inteligência” coletiva do sistema político. De Bobbio para arrematar essas amargas desesperanças: “Se penso, tenho medo, e se me abandono ao desejo, posso esperar; mas como homem de razão, tenho medo”.
(*) Cientista político. Membro da Academia Brasileira de Educação e do Instituto do Ceará.
Fonte: O Povo, de 1/3/2017. Opinião. p.8.

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