sexta-feira, 21 de abril de 2017

SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO!

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Foi a impressão que tive quando li a entrevista das páginas amarelas, na revista Veja (14.10.09), intitulada ‘Caixa-Preta na Cirurgia’, com o cirurgião paulista Dr. Ben-Hur Ferraz Neto.
Apesar de minha longa carreira profissional como pediatra e atualmente como psicoterapeuta, o estresse diuturno da/na atividade cirúrgica é de estremecer. O entrevistado trabalha em um dos principais hospitais brasileiros. Concordo quando afirma que, por mais que a tecnologia evolua, jamais será capaz de controlar todas as inúmeras variáveis envolvidas num ato cirúrgico.
Na verdade, inexiste ação humana capaz de garantir em 100% o êxito ou a segurança, e muito menos máquinas competentes para reproduzir a vida do paciente em tempo real, com a pulsação, o sangue correndo pelas veias do paciente e o movimento dos órgãos, isso sem falar da equipe cirúrgica.
Também estou de acordo com o entrevistado quanto à necessidade de o médico-cirurgião possuir uma personalidade resoluta, o que lhe permita tomar decisões instantâneas e criativas para salvar a vida do paciente, além dos atributos de conhecimento, treinamento etc. O que não abarquei foi a ênfase dada pelo entrevistado quanto ao valor da existência de uma caixa preta na sala de cirurgia!
Na aviação, tudo bem. Em geral, vários fatores estão envolvidos na queda de um avião, como erro humano, equipamento, condições atmosféricas etc. e os registros servem à profilaxia da repetição de acidentes semelhantes, apesar de não ressuscitar os mortos.
Verdades Transitórias
Já imaginou, leitor amigo, se o piloto colocasse em votação entre os comissários de bordo e os passageiros, se deve ou não realizar um pouso de emergência? Assim como o comandante de uma aeronave, um cirurgião trabalha com auxiliares de diferentes graus de conhecimento. Raros são os atos cirúrgicos em que não se necessite de ajudantes, todos sujeitos às mesmas condições de humanos. Ou será que o cirurgião, por ser cirurgião, não teria a mesma condição dos demais mortais? O cirurgião seria algum deus?
Como psicoterapeuta, tenho a impressão de que todos nós temos lá o nosso momento emocional capaz de influenciar a conduta profissional. Por outro lado, já imaginaram a sensação de um cirurgião — ao levantar os olhos do campo operatório e deparar com uma câmera ou outra geringonça com o letreiro: ‘Sorria, você está sendo filmado’? Isso não tornaria o trabalho ainda mais estressante? Como reagiria um cirurgião sabendo-se vigiado por um Big Brother?
Em lugar da caixa preta, não faríamos melhor se tratássemos o ‘narcisismo doentio que pode acometer um cirurgião ou qualquer outra pessoa’? Quando um familiar ou amigo meu tem de se submeter a uma cirurgia, prefiro não entrar na sala para que a equipe cirúrgica fique mais à vontade.
Esta entrevista terminou por lembrar-me a letra de um antigo samba do Billy Blanco (1924):
‘(…) Pra que tanta pose doutor? Pra que este orgulho…? O infarto lhe pega, doutor, e acaba essa banca.’
Graças a Deus, quem me socorreu, na hora do infarto, foi a ponte de safena. Gostaria de lembrar, para concluir, a todos (médicos e leigos): a medicina é a ciência das verdades transitórias…!
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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