quinta-feira, 14 de setembro de 2017

CONVERSA ENTRE FETOS


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Este texto contém fragmentos de anotações, e uma conversa, entre fetos gêmeos, que escutei pouco antes de seu nascimento.
Os fetos cresceram rápido, principalmente, nos últimos três meses. De lá para cá, aumentaram suas necessidades alimentares, mas, a placenta ficou insuficiente para nutri-los. Até o morno e gostoso líquido amniótico, começara a baixar de nível. Como todos e quaisquer fetos, eles teriam que deixar o paraíso uterino. Vir ao mundo era seu destino. Ambos intuíam, desde cedo, sem saber a razão: nascer poderia ser a primeira e mais desastrosa de todas as adversidades.
No início, ainda nos estágios de ovo e embrião, a vida lhes sorria. Nove meses era tempo demais! Para que se importar? Entretanto, como tudo na vida tem sua hora, os nove meses haviam passado e, dentro em pouco, eles seriam desalojados. Foi aí, que o gêmeo maior, mais ativo e valentão confessou:
- “Sabe mano, estou com medo de nascer! Tenho pavor de saber que vou ter que nascer! O pior é que não sei como é lá fora: sofro de fobia do desconhecido!”
O outro gêmeo mais franzino, calado e circunspeto ouvia em silêncio a confissão do irmão. Apesar das dúvidas, procurou acalmá-lo e, dessa forma, diminuir seus próprios temores. E, buscando demonstrar equilíbrio, disse:
- “Não permanecemos neste útero tanto tempo, por mero acaso! Algum motivo deve haver! Começamos como ovo, passamos pela fase de embrião e, agora, somos fetos! É o nosso ciclo vital!”
O gêmeo valentão ressaltou: - “O que haverá depois de nascermos? Nada!” E concluiu, envergonhado: - “Tenho pavor do escuro!”
O feto menor, acostumado a ver o maior levar vantagem em tudo, retrucou:
- “Calma, irmão feto! Você não percebeu, diversas vezes, movimentos e ruídos estranhos vindos lá de fora, que paravam ou diminuíam quando, nós dois, revoltados, mexíamos ou dávamos pontapés na barriga da mamãe? Você, ainda mais do que eu, e que, só assim, tais coisas cessavam ou diminuíam? Um fenômeno parecido com aqueles clarões que incomodavam nossos olhos, e quando nos movíamos, irritados, durante os vários ‘porres’ que tomávamos, sem querer, nas ocasiões em que nossa mãe bebia!”
O amedrontado valentão adicionou:
- “Será que, quando nascermos, haverá algo do outro lado? Eu não acredito! Esses sinais nada provam! Como poderei viver sem a placenta, sem o líquido amniótico, sem a quenturinha do útero e tantas mordomias? Estou perdido! Acho que vou sentir mais saudades da Dona Placenta! Tempos bons esses agora que vivemos!”
Enquanto os fetos dialogavam, ruídos estranhos se sucederam, os barulhos e contrações ocorreram, cada vez, com mais frequência e intensidade, e o mar amniótico secou. O pior eram as contrações, cada vez mais fortes e frequentes. Algumas eram tão intensas, que parecia que o mundo vinha abaixo! Sufocação! Asfixia! Quase não se tinha mais fôlego! A agonia era insuportável! Os gêmeos se olharam apavorados: chegara, afinal, o momento de conhecer a verdade!
O mais calmo dos dois falou: - “Eu vou primeiro!” Seguiu, então, por um túnel escuro e misterioso e, nele, desapareceu. O feto valentão alimentava esperanças de não nascer. Dizia para si mesmo: “Se ficar bem quietinho, eu escapo de nascer!” Enquanto pensava assim, deu-se um empurrão tão potente que, por mais que lutasse para ficar, terminou escorregando pelo orifício escuro. Aquele mesmo em que seu irmão menor desaparecera. Finalmente, os gêmeos nasceram!
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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