sexta-feira, 3 de novembro de 2017

SABEDORIA DE SÓCRATES

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Sócrates é o nome do meu cão. Moramos em um pequeno apartamento de menos de 90 metros de área útil. Pequeno para mim e muito mais para ele, cão labrador preto. Procuro compensá-lo com mordomias (ração francesa, veterinário particular, quatro passeios por dia, ar condicionado e biscoitos caninos, tudo mais que ainda permitem os meus parcos recursos de professor aposentado... com sacrifício da minha própria feira).
Juro que não sei se ele se sente compensado por desfrutar dessa prisão de luxo, pois não entendo nem de mentalidade humana, quanto mais da canina. Sei sim que, ao contrário dos humanos, os animais não conhecem dinheiro. Se eles pulam e correm, o fazem pelo puro prazer de pular e correr.
Basta soltá-lo num campo aberto para que se transforme em uma flecha negra. E eu fico a contemplá-lo, assombrado pelo desempenho do seu corpo - que jamais praticou atletismo. Não teve treinadores, médicos de esportes, fisioterapeutas, professores de educação física e nem de presença de psicólogos e cartolas.
Mas o meu Sócrates corre e como corre. Não para pegar uma caça ou para me agradar. Caso corresse para pegar uma ave abatida por mim (não sou caçador e nunca dei nem um tiro, na minha vida, mas eu diria: — é sua memória ancestral), sua corrida passaria a ter um objetivo prático, racional. Eu ao menos compreenderia. A corrida dele é pura alegria. Corre, corre num romântico desejo de correr.
Esse meu Sócrates nem mesmo corre para provar que é mais rápido que outro cachorro. Corre como um alucinado exclusivamente pelo prazer de correr. As suas latidas alegres são espontâneas. Mas ele corre e não para. Só quando se cansa.
Diferente dos atletas humanos, ele sabe como e quando deve parar os seus exercícios. Não faz aquela cara de esforço espasmódico do atleta que chega à linha de chegada quase morrendo em uma disputa. Dorme após a brincadeira e fica mais junto de mim. Aí sei que não estou fazendo nenhum mal a ele. Ele está satisfeito com a “vida de cachorro”. Aos meus pés se aninha. Adormecemos felizes. Roncamos juntos. Sempre amigos. Que Deus nos conserve juntos por muito tempo. Eu e meu cão.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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