sexta-feira, 11 de maio de 2018

O JUIZ E O ELEITOR

Por André Haguette (*)
Até onde eu sei François Lyotard, no seu livro A Condição Pós-moderna, foi o primeiro a usar o conceito de narrativa para se referir a teorias e discursos interpretativos ou explicativos da realidade. Ele afirmava que “grandes narrativas”, tais com iluminismo, marxismo e funcionalismo, entre outros sistemas teóricos explicativos, tinham perdido sua magia no mundo contemporâneo, mundo que o sociólogo Zygmunt Bauman viria a qualificar de “líquido”. Se as grandes narrativas se esvaeceram, a expressão “narrativa” sobreviveu e hoje em dia é aplicada a toda espécie de histórias e falas que pretendem interpretar ou explicar um determinado aspecto da realidade.
Sendo assim, Lula tem sido e continua sendo um habilidoso inventor e mercador de narrativas que dão sustento a seu sucesso político. Seu carisma junto a seus correligionários e às massas faz com que as narrativas que ele cria se disseminem e sejam aceitas como a expressão verdadeira e única dos fatos. Sabe-se que Lula vive politicamente da palavra, um pouco como Freud e a psicanálise “curam” pela palavra!
Na sua mais recente narrativa, Lula, na tentativa de evitar o julgamento de juízes, pede que eles o deixem ser “julgado pelo povo nas urnas”. O pleito é ardiloso e levanta questionamentos sobre as funções dos juízes e dos eleitores na democracia. A resposta pode ser sintetizada da seguinte forma: o juiz julga e o eleitor vota, o que deixa claro que julgar e votar são operações mentais e a atos distintos. Ao juiz é pedido o máximo de discernimento, imparcialidade e impessoalidade ao confrontar comportamentos de um acusado com leis previamente elaboradas, tais como a Constituição e os diversos códigos. Deve ele afastar-se o mais possível de suas opiniões e preferências pessoais para, após um esforço analítico confrontando agir e leis, proferir uma sentença argumentada e, por isso mesmo, passível de contra argumentações ou contrapontos; daí existir possibilidades de recursos.
O eleitor, por sua vez, é autônomo e não dispõe de aparatos instrumentais e sua decisão é soberana e definitiva, não havendo recursos possíveis, nem possibilidade de retroagir. Certo, é muito difícil entender como um eleitor vota e quais os reais motivos que o levam a decidir a favor de um candidato e não de outro. Os fatores a exigir dele escolha são múltiplos e não raramente contrários: influências e interesses pessoais, familiares, de classe, partidários, ideologias, percepções do bem comum, confiança num candidato, preconceitos etc. Coisa certa, o poder executivo e o legislativo tendem a renovar seus membros sem jamais superar a fisiologia, o clientelismo e o compadrio. “Ele rouba, mas faz”!
Indaguei 4 senhoras pobres sobre Lula. As quatro declararam-no “corrupto, igual aos outros”! Perguntei então: em quem você votaria se a eleição fosse hoje: as quatro responderam “em Lula”. Ao juiz é pedido um juízo sobre fatos específicos confrontando leis escritas ou consuetudinárias na maior imparcialidade possível, juízo aliás sujeito a revisão por outros tribunais. Ao eleitor, é dada autonomia inquestionável. Vê-se o quanto a narrativa de Lula é astuciosa!
(*) Sociólogo e professor titular da UFC.
Publicado In: O Povo, Opinião, de 26/3/18. p.27.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog